Pixinguinha: “Porta aberta à inovação para onde quer que a música nos leve”

Integrado no programa Próximo Futuro, a Gulbenkian apresenta este sábado, às 21h30, no seu grande auditório, um espectáculo inédito e criado para Portugal: Eterno Pixinguinha. Um tributo à arte musical de um génio.

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Pixinguinha em 1967 David Drew Zingg

Como apresentar Pixinguinha a alguém que nunca ouviu falar dele? Bia Paes Leme reflecte um pouco e responde: “Um músico exemplar e genial por isso mesmo”.

Bia sabe do que fala. Desde 2008 que ela está no Instituto Moreira Salles e foi o facto de ali estar depositado o acervo de Pixinguinha, em partituras manuscritas, que a levou a aceitar o convite. “Quando entrei em contacto com esse material vi que ele era de uma consistência e uma integridade muito grande. Então, reuni uma equipa de oito arranjadores e começámos a trabalhar nisso desde 2009, ininterruptamente.”

O que tinha nas mãos? Mais de 300 arranjos escritos por Pixinguinha (1897-1973), um dos mais geniais músicos brasileiros de todos os tempos. Nascido Alfredo da Rocha Vianna no Rio de Janeiro, no subúrbio da Piedade, aprendeu cavaquinho e aos 10 anos já acompanhava o pai nas festas onde este ia tocar. Depois iniciou-se na flauta e, mais tarde, no sax tenor, já a sua carreira como líder de orquestra, compositor, instrumentista e arranjador ia num ponto alto. O desafio, para Bia (que é arranjadora e produtora musical, além de cantora e instrumentista, tendo integrado nessa qualidade as digressões de Chico Buarque desde o ano 2000) era tratar toda essa herança de forma sistemática e devolvê-la ao meio onde foi criada: aos músicos e ao público.

O trabalho da equipa de arranjadores produziu, até agora, quatro volumosos livros: “O primeiro, em 2010, Pixinguinha na Pauta, tem partituras de 36 arranjos. Em 2012 editámos um livro de composições chamado Pixinguinha, Inéditas e Redescobertas, e agora, em 2014, estamos lançando duas caixas de arranjos: uma, Outras Pautas, que é a continuação do livro de 2010, tem mais 44 arranjos. Outra, O Carnaval de Pixinguinha, tem 25 arranjos para uma formação menor, de banda.” É destes livros que nasceu o concerto que o Rio de Janeiro viu em 2010 e vai ver agora, renovado, a 23 de Setembro de 2014 no Teatro João Caetano, com mesma formação de orquestra de 30 músicos.

Portugal verá, no entanto, um concerto absolutamente inédito, diz Bia. “A segunda caixa-livro lançada este ano é para uma formação menor: flauta, clarinete, dois trompetes, bombardino e tuba. O que é que procurámos neste concerto criado para Portugal? Tendo alguns arranjos da formação da grande orquestra, como os conhecemos bastante bem, fizemos uma redução drástica, aproveitando os contracantos mas como melodias, instrumentos melódicos. Mas guardando a harmonia e a forma dele. Já nos arranjos da caixa O Carnaval de Pixinguinha essa redução é muito menos drástica, é apenas uma adaptação de timbre. Estamos trabalhando com bandolim, por exemplo.”

No Grande Auditório da Gulbenkian estarão este sábado, ao todo, nove músicos: Bia Paes Leme (cantora e apresentadora), Paulo Aragão (violão e direcção musical), Nailor Proveta (clarinete), Pedro Aragão (bandolim), Rui Alvim (sax alto), Pedro Paes (sax tenor), Mauricio Carrilho (violão de 7 cordas), Jayme Vignoli (cavaquinho) e Marcus Thadeu (percussão). “Eu vou participando do show como cantora, também”, diz Bia, “porque incluímos clássicos dele, músicas mais conhecidas ou que podem chegar a um público que gosta também de ouvir canção com letra.” As apresentações serão breves. “O texto vai ser um pouco ilustrativo mas sem ser didáctico. Estamos levando informações sobre o Pixinguinha, a vida dele e as suas facetas, como compositor, como instrumentista e obviamente como arranjador.” Mas isso será feito na informação de sala, não no palco.

No palco ouvir-se-ão composições instrumentais de Pixinguinha, como O rasga, Assim é que é, Minha vez, Pula sapo, Desprezado, Cascatinha, Ignez, Levanta meu nego ou 1 a zero, a par de várias parcerias, como Carinhoso (com João de Barro), Fala baixinho (com Hermínio Bello de Carvalho), Rosa (com Otávio de Sousa), Mundo melhor, Seule (ambas com letra de Vinicius de Moraes), Bengelê e Yaô (ambas com Gastão Viana).

Tradição e novidade
Bia Paes Leme lembra-se de começar a ouvir Pixinguinha ainda muito nova. “Eu tenho 55 anos, a minha mãe gostava muito de cantar e o meu pai também, ainda gosta até hoje, e Carinhoso certamente deve ter sido a primeira música dele que eu ouvi, quando comecei a aprender a tocar violão. Mas a minha ligação com a música instrumental, que é o ouro do Pixinguinha, dá-se na adolescência, a partir dos 15, 16 anos. Eu já começava a me interessar por arranjos. Lembro-me que o contacto com a energia, a força, o vigor, dos arranjos do Pixinguinha foi uma experiência importante para mim.”

O que torna Pixinguinha especial? “Ele faz uma ligação entre passado e futuro que é fundamental dentro do que ele representa para a música brasileira e dentro do que ele representa para nós, músicos, que somos apaixonados por ele. Ele traz a tradição com muita força por tudo o que ouvia em casa ainda muito criança. Mas por outro lado ele era uma esponja: tudo o que ele ouviu de música erudita, de jazz, de novidade, foi prontamente absorvido por ele e integrado na bagagem que ele trazia. Ele representa uma porta aberta à inovação para qualquer caminho a que a música nos leve.”

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