Pedro Cabrita Reis, um artista a trabalhar ao vivo na Gulbenkian

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Pedro Cabrita Reis Luís Ramos/PÚBLICO

Ontem a meio da manhã Pedro Cabrita Reis estava numa das pontas dos três mil metros quadrados do piso zero do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, de braços cruzados sobre o peito, a olhar em volta.

A 15 de Outubro o artista plástico inaugurará aqui uma nova peça de grandes dimensões. Até lá estará in situ a criar essa obra; o espaço funcionará como um estaleiro aberto a quem queira assistir aos seus processos de trabalho. Para isso, nas últimas semanas saiu tudo. Primeiro as obras da colecção, depois as paredes falsas que delimitavam pequenos espaços e percursos. Ficou uma sala rectangular, comprida, janelas para o jardim à esquerda, o acesso à exposição de Craigie Horsfield à direita.

Há seis anos que este espaço não era visto assim: vazio. Mas pouco tempo depois da chegada do artista, três técnicos começam a trazer para perto dele elementos a usar - uma série de estantes modulares de metal castanho, algumas com prateleiras partidas, quase todas cobertas de pó.

Com elas, Cabrita Reis, representante oficial português na última edição da histórica Bienal de Veneza, começa a desenhar uma barreira paralela às janelas, com a luz e o jardim agora a verem-se apenas pelas aberturas.

Foi o primeiro momento de uma obra intitulada Fundação, que trabalhará questões ligadas à memória e que será construída a partir de material resgatado ao espólio dos armazéns da Gulbenkian.

Depois de explicar que quer todas as estantes que haja disponíveis, o artista diz a uma das funcionárias do centro que precisa de 600 armaduras para lâmpadas fluorescentes, "das mais baratas no mercado". De seguida pede três electricistas. Instantes depois, como se se tratasse de uma decisão do momento, diz que são precisas também três paletes de tijolo, massa e cimento adequados e serventes. Algum tempo depois, pedirá que sejam descarnados cerca de 20 metros de fio trifásico para unir as estantes entre elas.

"Parece caótico, mas é porque há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo", diz a dada altura aos técnicos que o estão a ajudar. "Tem que haver uma grande tensão para que esteja tudo a rebentar. É nesses momentos que eu apanho as coisas."

Como será exactamente a peça ainda não está decidido. Há linhas de força, mas também muitas questões em aberto: "Será um trabalho concentrado ou disperso? Será uma peça única ou pólos que se arquitectam entre si? É para olhar de cima ou de baixo? À roda ou em frente?"

"À medida que estas coisas se auto-excluem vai nascendo uma peça", diz Cabrita Reis. "As obras têm uma inteligência própria que nos é transmitida pelas impossibilidades que se levantam ao olhar para elas. As peças têm uma inteligência própria a que é preciso ter atenção, que é preciso notar nos pequenos detalhes."

A dada altura Cabrita Reis pede que a fila de estantes seja recta, paralela às calhas de luz do tecto e empurra uma com o pé para a posicionar. "Nesta obra não há metros nem níveis. Há apenas mãos e olhos", diz.

Um dos técnicos pergunta se é preciso descarnar fio novo, se houver algum já descarnado nos armazéns. Ele responde que não, que prefere reutilizar: "Não se faz nada que não seja preciso: economia do olhar, economia de pensamento, economia de acção - perfeição total."

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