Pauzinhos na engrenagem

Iguais é derivativo, sim, mas quando há sensibilidade isso não é forçosamente um problema.

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Não há volta a dar, olhamos para Iguais e estamos a ver outra vez o THX-1138 de George Lucas (1971), sobre o acordar dos sentimentos num futuro distópico onde a emoção é proibida. Mas, no caso da sexta longa do americano Drake Doremus, escrita por Nathan Parker (já autor do excelente Moon que revelou Duncan Jones), há um “pauzinho na engrenagem” que impede Iguais de se tornar puramente fotocópia do passado ou introdução à ficção-científica adulta para a geração dos Jogos da Fome. Esse “pauzinho” é o seu casal de actores, a americana Kristen Stewart (felizmente cada vez mais longe de Bella Swan) e o inglês Nicholas Hoult, que, somado à consciência aguda de Doremus deste futuro perfeito precisar de sangue, suor e lágrimas para embalar o espectador, eleva o filme acima da sua condição de fábula derivativa (sim, porque não é só THX-1138 que nos veio à cabeça, mas também o Gattaca de Andrew Niccol, a Fuga no Século 23 de Michael Anderson ou o Her de Spike Jonze).

Neste Colectivo hiper-tecnológico, pós-apocalíptico e geneticamente planificado, impecavelmente construído todo em branco e azul Apple (e, espantosamente, rodado quase inteiramente em exteriores contemporâneos no Japão e em Singapura, um pouco à imagem do Alfaville de Godard), o padrão é a ausência de emoção e contacto humano. Stewart e Hoult, colegas na agência espacial, estão “infectados” com uma doença que “desliga” os supressores genéticos e reacorda a montanha russa das emoções, e o filme parece mais interessado na dimensão pessoal dessa descoberta de um admirável velho mundo novo, radiografando a descoberta dos sentimentos e do amor pelo casal. É verdade que Iguais acabará por se deixar levar pela fórmula resolvente, passando ao lado do rasgo que o ergueria de simpático derivativo a pequeno clássico de culto. Mas ser um simpático derivativo já é qualquer coisa, sobretudo quando Iguais parece gostar de filmar pessoas que aprendem a ser pessoas, interpretadas com sensibilidade por dois actores que parecem gostar dos caminhos por onde a história os leva.

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