É possível os escritores gostarem da Feira de Frankfurt?

Dar importância aos autores é agora um dos objectivos da feira do livro de Frankfurt que se sempre se dedicou mais ao negócio entre editores e agentes literários.

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Paulo Coelho (ao centro) com o Presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, e a mulher, país convidado deste ano AFP

A maior parte dos autores sempre tentou fugir da Feira do Livro de Frankfurt a sete pés.

É raro encontrarmos um autor que tenha muito boas recordações dos dias que passou em Frankfurt e que queira muito repetir a experiência. Isto porque a Feira do Livro de Frankfurt nunca foi pensada para receber bem os autores como são pensados os festivais literários espalhados pelo mundo inteiro.

Aquela que é a maior feira editorial de compra e venda de direitos acontece num gigantesco espaço equivalente a 11 campos de futebol, espalhado por oito gigantescos pavilhões, onde os editores do mundo inteiro, individualmente ou em associações de editores (como é o caso português), montam os seus stands.

Para se chegar de um sítio ao outro, anda-se quilómetros a pé ou opta-se por entrar em carrinhas que percorrem o espaço exterior dos pavilhões apinhadas de gente que viaja cheia de tralha (com catálogos, folhetos, ofertas, merchandising, computadores, malas).

Os stands variam consoantes os países são ricos ou pobres - há uns faustosos e outros de uma austeridade franciscana - e por isso uns são mais confortáveis do que outros. Mas todos servem de montra para novas edições e todos têm cadeiras e mesas onde decorrem as reuniões que se prolongam o dia inteiro, umas a seguir às outras.

Os editores e agentes estão em Frankfurt para concretizarem negócios e ganhar dinheiro e a feira é feita a pensar neles. Ironicamente este ano, tal como aconteceu o ano passado, é a cara de um autor que aparece nas faixas de publicidade dessas carrinhas: a do brasileiro Paulo Coelho. Este ano, nos anúncios com a sua fotografia além de se anunciar o seu último livro, como “o best-seller Adultério”, lança-se o desafio; “Sigam-me no Twitter e no Facebook, assinado Paulo Coelho.”

Mas todos os autores sentem um certo desconforto quando chegam à feira. Foi pelo menos isso que sentiu a escritora dinamarquesa Janne Teller, com ascendência austríaca e alemã e traduzida em mais de 25 línguas, quando esteve na Feira do Livro de Frankfurt pela primeira vez. Por ter sentido isso, quis tentar resolver o problema. Foi dela a ideia de criar um lounge para os autores conviverem uns com os outros e foi aí que esta quarta-feira se lançou o projecto Frankfurt Undercover. Durante os próximos três dias, haverá debates de três horas entre umas dezenas de escritores que têm em comum serem multiculturais de uma maneira ou de outra.

O tema da discussão é Borders & Barriers, Cultures & Crossroads e servirá, na opinião de Janne Teller, para se encontrar uma maneira de combater os extremismos e nacionalismos que têm aumentado globalmente, juntando pessoas de vários lugares do mundo e com diferentes opiniões.

“Isto é uma experiência e a Janne Teller está aqui a correr alguns riscos ao querer juntar as pessoas. Da experiência podem sair ideias muito boas ou as pessoas podem aborrecerem-se de morte umas com as outras”, disse na apresentação o director da feira Juergen Boos.

Mais exclusiva

Claro que se se for um autor integrado na comitiva do país convidado a experiência de se estar em Frankfurt não é tão traumática. Bem como se estiver editado por uma importante editora alemã, se se for um prémio Nobel ou um autor reconhecido internacionalmente como Paulo Coelho, que esta quarta-feira teve a honra de se sentar no palco do Business Club Member. É uma das novidades deste ano da feira, que parece estar a ir numa direcção de se tornar mais exclusiva (é preciso pagar para se ser membro deste clube e os jornalistas têm de ter uma acreditação especial para conseguirem entrar na sala com bar, sofás, onde decorrem as conferências para convidados).

Tal como disse o director da feira Juergen Boos, Paulo Coelho não precisa de apresentações: “É um dos autores mais famosos do mundo.” Durante a hora em que esteve no palco do Business Club Member com Juergen Boos, fez o esforço de falar em inglês e a conversa teve momentos caóticos mas foi dizendo aquilo que vem repetindo há anos. Começou por dizer que não é profeta, por isso não sabe o que acontecerá no sector daqui a anos, mas sabe que as pessoas lêem por duas razões: a primeira é para se divertirem e a segunda para adquirirem conhecimentos.

“Contar histórias é uma coisa que acontece há muito tempo. Todos à nossa maneira estamos a recontar as epopeias. E se as histórias são boas, há leitores a segui-las”, disse, defendendo que cada escritor só tem quatro histórias para contar. “A história de duas pessoas, a de um casal; depois a história de três pessoas - a de um triângulo amoroso e de adultério - e por fim a história da luta pelo poder e a história de uma viagem. Vejam os clássicos como a Odisseia ou D. Quixote… Estamos a contar as mesmas histórias ao longo do tempo, o desafio agora é que estamos a adaptarmo-nos aos novos tempos. Não podemos voltar ao século XIX.”

Esses novos tempos são os tempos em que a cultura pode à distância de um clique estar disponível em todo o mundo. “Posso pôr o meu livro numa livraria online e um brasileiro que viva em África vai conseguir lê-lo sem sair de lá em português. Esse é um dos assuntos que eu queria discutir aqui. Quer vocês queiram quer não, vamos rapidamente na direcção do mundo digital. Claro que o negócio tradicional do livro não vai desaparecer, mas vai-lhe acontecer como aconteceu à ópera e aos teatros de ópera por esse mundo fora. Nada morre, a ópera não morreu, a música não morreu, o livro impresso não vai morrer mas temos de nos adaptar. Se não nos adaptamos morremos, e este é o momento que não tem retorno”, acrescentou o autor

Claro que se Paulo Coelho tivesse que começar a sua carreira literária agora iria ser muito mais difícil. “Porque agora toda a gente tem uma voz, há muito mais barulho e ninguém ouve ninguém. Nós os autores não sabemos se nos estão a ouvir, claro que sabemos as visitas que temos nos nossos sites e blogues, mas mesmo que eu não tivesse essas visitas que tenho não me importaria. Isto porque, tal como muitos autores, comecei a escrever porque queria expressar-me, não era porque queria ganhar dinheiro. No início da minha carreira, eu estava muito contente porque estava a exprimir-me.”

Paulo Coelho esteve pela primeira vez na Feira do Livro de Frankfurt em 1994, quando tudo era muito diferente. “Agora quando chegamos aqui já todos os negócios e contactos foram feitos electronicamente mas encontrei aqui o meu primeiro editor e é isso o importante: o contacto olhos nos olhos.”

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