Palavras a Sophia de Mello Breyner

A homenagem a prestar a Sophia de Mello Breyner é promover o conhecimento da sua obra.

Ensiná-la aos jovens nas escolas. Tê-la à disposição dos adultos e dos mais velhos.

O filho, Miguel Sousa Tavares, disse-o há dias, com justeza.

Os mais diversos quadrantes políticos e culturais renderam-se à prosa e poesia de Sophia de Mello Breyner. Prestaram homenagem àquela que é a maior poetisa portuguesa dos nossos tempos e das maiores de sempre em Portugal. À mulher da liberdade : “…Hoje, noite de Abril, sem lua/ A minha rua /É outra rua…”.

Não sou um entendido da obra de Sophia. Só leitor fiel e grato.

É uma mulher deslumbrante. A sua poesia e prosa abrangem tudo o que pode ser dito. Em “imagens fortes e imprevistas”. A expressão é de Camilo Pessanha, no seu poema “Branco e Vermelho”.

Quando se fala de Sophia de Mello Breyner, nunca se diz tudo.  

O poder político raramente acerta e é justo. Decidiu mudar a morada de Sophia de Mello Breyner para o Panteão Nacional. Com festa e palavras de circunstância. Fez bem. A poetisa inegavelmente merece.

Na sua crónica miopia, os políticos supõem ter cumprido o princípio e o fim da homenagem devida a uma mulher desta grandeza. Nunca interiorizarão que a homenagem é mais do Panteão em receber a poetisa do que desta em lá morar. Continuarão a descurar o ensino da sua arte, poesia e prosa, nas nossas escolas.

O valor superior da cultura escapa sempre a um poder de contas, cortes, défices e dívidas. Supõem ter levado Sophia de Mello Breyner ao Panteão Nacional. Melhor seria que, pelo seu povo, e aproveitando o ensejo, atentassem no pensamento da poetisa: “A cultura é cara. A incultura acaba por ser mais cara. E a demagogia é caríssima…”. Reflectissem, tirassem daí as consequências e se empenhassem também na cultura. Investissem e insistissem no ensino e promoção daqueles que são a alma de um povo. O país, com a dívida soberana, está pobre por décadas. Sem cultura, ficaria pobre para sempre.

Sophia de Mello Breyner, ou “apenas Sophia”, no dizer de Eduardo Lourenço, há dias citado no PÚBLICO, continua connosco. Não no Panteão.

Ela própria dizia no “Túmulo de Lorca”:

“E por mais que te escondam não ficas sepultado…”

Sophia de Mello Breyner não está sepultada. Antes vive no meio e entre nós. Com a sua poesia, a sua arte: “ A poesia… pede-me que viva sempre…”.

Vivo no Campo Alegre há muitos anos. Tenho a sorte de ser vizinho de Sophia de Mello Breyner. Vivo cá em baixo. Ela muito lá em cima. Em cima, na rua e no seu grande mundo.

Habituei-me a pensar que Sophia de Mello Breyner permanece naquela casa do Campo Alegre. Jardim Botânico! O seu busto vê-se ao passar, entre arvoredos. Pode entrar-se, falar-lhe.

Não partiu dali sem regresso no Verão de 2004.

Passo mais vezes pelo Jardim Botânico. Falo mais a Sophia de Mello Breyner. Perscrutando o busto.

Leio agora, com muito mais afecto e atenção, os seus Contos Exemplares: “… Do alto da duna via-se a tarde toda como uma enorme flor transparente, aberta e estendida até aos confins do horizonte …”.

 Com muito mais ternura, a poesia de uma mulher deslumbrante: “Temor de te amar num sítio tão frágil como o mundo/Mal de te amar neste lugar de imperfeição/Onde tudo nos quebra e emudece/Onde tudo nos mente e nos separa.”

Procurador-Geral Adjunto

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