Outras formas de expor e ouvir música no Semibreve

Há muitas formas de tocar música ao vivo e de a desfrutar. No festival Semibreve, no sábado, fomos confrontados com essa verdade a partir das actuações de Janek Schaefer, Rafael Toral, The Haxan Coak e Forest Swords.

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Forest Swords, projecto do inglês Matthew Barnes
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Concerto ''lay-by-lullaby'' de Janek Schaefer
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Ouvir a música de The Haxan Cloak é sentirmo-nos dentro de uma gruta escura
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Rafael Toral com o seu Space Collective 3

Na Avenida Central de Braga o movimento é grande. É final da tarde de sábado e famílias inteiras dividem-se entre o interior dos cafés, as castanhas assadas na rua, as igrejas circundantes e as compras de Natal. A livraria Centésima Página também está repleta, mas é na porta ao lado, num espaço pertencente também à livraria, que a maior aglomeração de pessoas por metro quadrado se faz sentir.

Entra-se numa sala escura, vislumbram-se vultos, e ouve-se ao de leve uma música hipnótica. Está toda a gente sentada no chão a ouvir Janek Schaefer, artista sonoro e compositor britânico que é arquitecto de formação. E isso sente-se na sua aproximação à matéria sonora. A sua música pode ser usada em galerias de arte, estações de comboio ou salas escuras como aquela. Camadas de som que se sobrepõem sedosamente a outras camadas de som, de forma quase imperceptível, mas alojando-se na nossa memória.

De vez em quando existe um efeito de reconhecimento – ouve-se uma voz ao longe ou barulhos da cidade – e logo voltam as modulações sonoras que se repetem incessantemente. A sua música é percepcionada de forma diferente consoante o espaço. Constitui uma reposta ao contexto. A mesma lógica preside à instalação Love Story, da sua autoria, situada no Theatro Circo, integrada no ambiente do lugar, apropriando-se de aspectos dele, para contar uma história.

O Semibreve é um festival de música. Mas convida o ouvinte a percepcionar a música de forma diversa. A pôr-se em causa. A relacionar-se com a experiência sonora de forma não passiva e interpeladora. Para um assíduo em eventos do género não é novidade. Mas um espectador mais convencional tem de encontrar dentro de si disponibilidade para assimilar algumas propostas. Só dessa forma poderá entrar no universo do projecto inglês The Haxan Cloak de Bobby Krlic. Foi ele que abriu a sessão na noite de sábado.

Em palco apenas um sabotador electrónico, envolvido na quase penumbra. Em teoria, ali, só, exposto em palco, dir-se-ia que não seria fácil fazer estremecer as fundações do monumental Theatro Circo, mas foi mesmo isso que aconteceu. Ouvir a música de The Haxan Cloak é sentirmo-nos dentro de uma gruta escura, apalpar as paredes húmidas, sem um rasgo de humanidade, calor, luz.

Se na noite anterior tinham sido os Raime a fabricar atmosferas opressivas, no sábado foi Krlic. Fê-lo cavando na mente dos espectadores uma sensação de inquietude, maximizando as potencialidades digitais do som.

De seguida veio o português Rafael Toral com o seu Space Collective 3 (na companhia de Ricardo Webbens e do baterista Afonso Simões), para uma hora de música livre e questionadora. Música sem fronteiras, algures entre o jazz menos convencional, o ambientalismo e formas electrónicas abstractas, jogando com a modulação de frequências, interrogando noções espaciais e o silêncio, através de movimentos de improviso, com os três músicos em constante diálogo entre si e o espaço que os rodeia.

Sem palavras

Para o final da noite de sábado, Forest Swords, ideia desenvolvida pelo inglês Matthew Barnes. Em palco, do lado direito,  em programações, encontramos Barnes. Do lado esquerdo, no baixo, um seu cúmplice. Na tela gigante passam imagens não lineares de uma bailarina em movimento.

Os princípios formais do seu som foram resgatados ao dub, mas não existe uma colagem óbvia a qualquer tipologia. Existem fragmentos movendo-se lentamente por entre camadas de som que parecem provir de paragens remotas.

É como se Barnes procurasse no baú da memória e nos tentasse explicar como é a música dub, hip-hop ou R&B, mas apenas nos conseguisse restituir esboços, clamores longínquos, memórias de um lugar pós-industrial. E depois está lá o rumor do baixo, quente e de intensidade emocional.

Às tantas Barnes pegou no microfone e agradeceu os aplausos. Um gesto banal. Mas ali foram as primeiras palavras pronunciadas a partir do palco durante dois dias de festival. Foi um momento de estranheza num festival que mostra que existem muitas formas de expor música em palco e de a experimentar a partir da plateia.

Hoje o festival termina com Atom TM, alter-ego do alemão Uwe Schmidt, e com os ingleses Sculpture, naquela que se prevê venha a ser a sessão mais convencional, com electrónica mais lúdica. Mas no Semibreve nunca se sabe. 


 
 
 

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