A noite é de Óscares tão brancos e a cultura é tão negra

Há uma urgência e um descontentamento que fez com que a ausência de nomeados não-brancos nos Óscares se tornasse a sua história em 2016. Beyoncé, Kendrick Lamar e um boicote juntaram-se a um debate em torno da “diversidade” que é sobretudo uma polémica sobre o que é ser negro na América.

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Em Hollywood ultimam-se os preparativos para a 88.ª cerimónia dos Óscares da Academia REUTERS/Lucy Nicholson
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Leonardo DiCaprio está novamente nomeado para Melhor Actor: será desta? REUTERS/Mike Blake
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“O Renascido”, de Alejandro Iñárritu, pode valer ao mexicano a estatueta de Melhor Realizador REUTERS/Carlo Allegri
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Movimento Black Lives Matter nasceu com a morte de Trayvon Martin ADREES LATIF/REUTERS
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Ice Cube, crítico do sistema, produziu o filme que concorre a argumento original ALBERTO E. RODRIGUEZ/AFP
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Spike Lee não vai aos Óscares JOHN MACDOUGALL/AFP

Esta é uma noite de filmes baseados em casos reais com fortes probabilidades de ganharem Óscares, mas a realidade racial do país que filmam não está nomeada e, em parte, não está sequer na sala. Este é o ano em que um hashtag engoliu os Óscares. A cerimónia tornou-se o símbolo de um país tenso. De Beyoncé aos Black Panthers, de Trayvon Martin ao Twitter, este é o filme da temporada: OscarsSoWhite, Parte II. Porque “a indústria do entretenimento é assustadoramente conservadora”, postula ao PÚBLICO a realizadora oscarizada Susanne Bier, e porque “a noção de que as vidas negras importam” talvez só se possa tornar real se chegar “à cultura artística”, teme o crítico de cinema Richard Brody.

Parte II dos OscarsSoWhite: foi em 2015 que a editora e ex-advogada April Reign criou o hashtag, um tema partilhado nas redes sociais sobre o facto de não haver negros nomeados nos 20 lugares que os Óscares distribuem para os intérpretes. A história repetiu-se em 2016, dando mais visibilidade que nunca às estatísticas sobre o perfil eminentemente branco, masculino e grisalho da Academia de Artes e Ciências de Hollywood, que atribui os Óscares, mas também dos bastidores da indústria.

“As nomeações reflectem a Academia, a Academia reflecte a indústria e a indústria reflecte o país”, resumiu Will Smith, tido como candidato a nomeação por A Força da Verdade, quando anunciou que se juntaria à mulher, Jada Pinkett Smith, no boicote à cerimónia desta noite em Los Angeles. As temáticas, os elencos, os argumentistas, é tudo quase exclusivamente branco na noite dos Óscares. “Esta é A história dos Óscares e ensombrou outras histórias numa temporada que é excitante - ninguém sabe qual de três filmes será vencedor, O Caso Spotlight, O Renascido, A Queda de Wall Street”, comenta ao PÚBLICO Robert J. Thompson, director do Bleier Center for Television & Popular Culture. “Pensa-se sempre que Hollywood está do lado ‘dos bons’, em Hollywood como um bastião de pensamento progressista e liberal. E este ano, repensa-se essa imagem”, analisa o especialista em cultura popular da Universidade de Syracuse. “É mais fácil para um afro-americano ser Presidente dos Estados Unidos do que ser presidente de um estúdio de Hollywood”, atirou Spike Lee, outro ausente desta gala. 

É o terceiro ano desde 1998 que não há actores não-brancos na corrida. E em 88 anos de Óscares, dessas 1663 nomeações, 99 foram para minorias étnicas - 16% das nomeações, situação fortemente melhorada nos últimos 30 anos, mas ainda assim recheada de estereótipos e limitações. Só há uma mulher realizadora com Óscar, só uma negra (e nenhuma latina, asiática ou de outra etnia) foi a Melhor Actriz - ambas nos últimos 15 anos. Nos EUA, a população é maioritariamente branca, sendo os afro-americanos (13,2%) o segundo maior grupo racial e os hispânicos e os latinos (17,1%) o maior grupo étnico.

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EZRA SHAW/AFP

O debate em torno da “diversidade” que arde desde 14 de Janeiro, dia em que o Óscar nomeou mais branco, é sobretudo uma polémica sobre o que é ser negro na América. Debate-se oportunidade, privilégio, algumas vezes género, sexualidade ou outros quadrantes, mas é sobre negritude que se fala. Acabam de ser noticiados novos números sobre quem faz televisão ou cinema, dos decisores às personagens, quando estamos ao telefone com Syreeta McFadden. Sem surpresas, as conclusões são: homens brancos, heterossexuais, algumas mulheres e menos de um terço de minorias. 

Os números não a surpreendem, mas a editora e fotógrafa de Brooklyn recita-os na mesma. “Na cultura americana, e neste momento da cultura, em que se tenta fazer passar uma representação mais realista de quem somos em todas as áreas”, tudo conta, garante. Uma interpretação de Beyoncé de Precious Lord - música emblemática dos direitos civis - nos Grammys do ano passado, um álbum de D’Angelo intitulado Black Messiah... “Há uma América que sabemos que existe, e depois há uma América muito retrógrada que invadiu todas as narrativas de todas as diferentes identidades que fizeram deste país o que ele é”, analisa McFadden, comentadora do New York Times e do Guardian, cujo pai marchou com Martin Luther King em Memphis. 

Há uma urgência no estado das relações raciais e na cultura que motiva o impacto da polémica em torno dos Óscares. Nos últimos anos, a violência policial sobre afro-americanos e a ausência de condenações para agentes que mataram esses homens desarmados, as revisões às leis de voto que afectam os negros em muitos estados, são mais uma vaga nas águas agitadas de um país que Frank B. Wilderson III, professor de Estudos Afro-americanos na Universidade da Califórnia, descreve assim: “Não acho que a América tenha um problema racial, a América é um problema racial”. 

Ao telefone com o PÚBLICO, o autor de Red, White & Black: Cinema and the Structure of U.S. Antagonisms explica que “há uma simbiose entre a veracidade de uma expressão dos americanos negros nas artes e o que está ou não a acontecer nas ruas” - agora, há “uma expressão de descontentamento negro no reino da cultura”. 

Em Novembro, Ta-Nehisi Coates venceu o National Book Award com Between the World And Me, uma carta ao seu filho sobre a experiência ser negro na América que não é isento de amargura. Nas últimas semanas, superestrelas como Beyoncé ou rappers como Kendrick Lamar tornaram espectáculos de massas na televisão em palcos para statements. “A urgência está a ter resposta porque tem a acção sustentada do movimento Black Lives Matter e [do movimento] dos que protestam em Ferguson, que lutam pela mudança. Como é que os nossos artistas podiam não falar nisso? Estavam a conversar consigo mesmos e agora mostram-no no seu trabalho”, diz Syreeta McFadden, que dá aulas na universidade comunitária de Nova Iorque. 

“Não acho que os actores estejam mais conscientes, acho que a mobilização de massas nas ruas” por causa do “terror policial”, justifica Frank B. Wilderson III, “os encorajou”. O professor faz workshops de educação política em ramos do movimento Black Lives Matter em Chicago, Los Angeles e Nova Iorque. É uma discussão longa, mas um grito que se tornou mais audível, talvez, como rappou Kendrick Lamar nos Grammys, “on February twenty sixth” de 2012. Ou o dia da morte de Trayvon Martin. 

Black Lives Matter
Os Óscares são o clímax de uma longa relação anual com o star system americano, provavelmente o mais reluzente do mundo. A sua longa via sacra são dois meses de paragens em todas as estações das cerimónias de prémios das várias profissões de Hollywood e até das indústrias que com ela romanceiam, como a da música. “On February twenty sixth I lost my life too”, declamou Kendrick Lamar sem guião, uma das mais brilhantes vozes musicais da América que diz ter morrido também no dia em que nasceu, em parte, o movimento Black Lives Matter. “Twenty Twelve was taken from the world to see/ Set us back another four-hundred years/ This is modern day slavery” – excerto freestyle de Alright, interpretada nos Grammys, com Lamar num cenário de grades, macacões e correntes, num comentário à desproporcional taxa de afro-americanos na população prisional americana. 

Há quatro anos em Fevereiro, “essa noite começou o despertar do país” para a forma como se olha e suspeita à partida para “os afro-americanos, em particular rapazes e homens”, escreveu Jonathan Capeheart, vencedor de um Pulitzer, no Washington Post. “Há muito poucos homens afro-americanos neste país que não tiveram a experiência de ser seguidos quando estão às compras numa loja. Isso inclui-me”, disse na altura Barack Obama, Presidente dos EUA. 

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Houve manifestações, protestos, motins porque um rapaz desarmado foi alvejado mortalmente nas costas por um polícia. Um rapaz de 17 anos de Compton, o bairro de Los Angeles do filme que muito clamam deveria estar mais nomeado para estes Óscares, Straight Outta Compton, a que se juntariam Michael Brown, de 18 anos, em Ferguson em 2014, Eric Garner, de 43 anos em Staten Island, ou Freddie Gray, de 25 anos, em Baltimore, entre outros afro-americanos. Trayvon era um rapaz que usava um casaco de capuz como o do miúdo no novo vídeo de Beyoncé. 

Há uma fila de polícias com equipamento anti-motim que enfrenta esse menino - rendem-se. Um grafito pede – ou ordena? – “Stop Shooting Us”. Um slogan Black Lives Matter em Formation, o videoclipe da estrela lançado na véspera da sua actuação no acontecimento televisivo que é o SuperBowl, em que surgiu vestida de negro com bailarinas de bóinas pretas. Talvez o trabalho mais político de Beyoncé, que vai do rescaldo do furacão Katrina à beleza negra das “narinas Jackson 5”, passando pela iconografia dos Black Panthers no SuperBowl. 

Dias depois, o programa de humor Saturday Night Live fazia um sketch sobre “o dia em que Beyoncé se tornou negra” que mostrava brancos confusos com Formation. Quando Kendrick Lamar rimou nos Grammys, o novo apresentador do Daily Show, o sul-africano Trevor Noah, twittava sobre como “os brancos no público parecem aterrorizados. Neste momento queriam que a Beyoncé estivesse em palco”. O statement de Beyoncé foi tão elogiado quanto criticado. “Beyoncé esperou até que a política negra fosse tão inegavelmente comercial para poder fazer dela um mercado”, diz o colunista Jeff Guo no Washington Post, que considera que esta é uma “entrada tardia no diálogo sobre as vidas negras”. 

Uma tese sobre a posição de privilégio em que se encontra, dúvidas de vários comentadores sobre se a “rainha Bey”, como é conhecida, sabe comentar porque pugna o povo negro. O Facebook de Alicia Garza encheu-se de conversas sobre Beyoncé e Formation. Co-fundadora do movimento Black Lives Matter, acha que sim, “talvez” este seja “o hino #BlackLivesMatter da rainha Bey”, como disse na Rolling Stone. “Como movimento devemos celebrar o facto de termos ajudado a mobilizar uma das celebridades mais icónicas do mundo a usar a sua extensa plataforma para celebrar a resistência negra”, escreveu, dando as boas-vindas a Beyoncé (que já contribuiu financeiramente para ajudar detidos nas manifestações do grupo).

Frank B. Wilderson III, irmão de um actor de televisão e cinema, e que integrou o Congresso da África do Sul depois de ter militado no braço armado do ANC de Nelson Mandela, define-se como “afro-pessimista”. Mas considera que “o envolvimento dos artistas vai ser benéfico, pelo menos pelo facto de neste país as pessoas ouvirem mais os artistas negros do que os activistas políticos negros”, lamenta.

“Em 2016, na imaginação colectiva, a cultura negra funciona no que [o psicanalista Jacques] Lacan chamaria a economia do desejo - não como expressão cultural legítima de um povo mas como mais uma posse psíquica de outra pessoa”, alicerçada na imagem milenar do tráfico de escravos. Por isso, defende o professor, há prazer no desporto, no entretenimento, na música negra. “É mais fácil Beyoncé fazer algo do que qualquer das mulheres que começou o Black Lives Matter porque o mundo quer ouvi-la. Mas só segundo as condições brancas”.

Iluminação e percepção
É tudo uma questão de percepção. Syreeta McFadden elogia, num aparte risonho, o director de fotografia de Selma, filme sobre Martin Luther King nomeado em 2015 para o Óscar de Melhor Filme, pela forma como iluminou os actores negros. “As pessoas nem sabem que estão a olhar para nós de forma errada”. O tom muda sobre as críticas aos negros em posições de privilégio que entraram no ringue nos últimos meses: “Isso significa dizer abertamente que a única forma de se ser autenticamente negro é sofrer”. “A alma da experiência negra” não mora apenas “num lugar de dor, de privação”, sublinha. “E há uma nuance: o privilégio branco e o privilégio negro não são a mesma coisa na América”, volta a rir.

Os negros que estão no grande ecrã da Academia tendem a ser sofridos e isso informa a forma como são percepcionados - e a repetição de modelos. Filmes de escravatura, filmes sobre grandes figuras negras do passado, personagens-tipo como a criada anafada do Sul, a mammy, o oprimido ou o caricatural magical negro que resolve os problemas dos brancos com uma sabedoria ancestral povoam a ficção americana. Em quase 90 anos de prémios da Academia, 30 negros foram nomeados para os Óscares de Melhor Actor e Actriz por 28 filmes (25 deles realizados por brancos). São papéis variados - criadas, sobreviventes, boxeurs, um detective, um faz-tudo, um Presidente, Malcom X, Ray Charles, Mandela, Billie Holiday ou Tina Turner. Entre esses nomeados, nove das dez actrizes candidatas a Óscar desempenhavam papéis em que eram sem abrigo ou corriam esse risco, seis delas eram abusadas; em 13 dos 20 papéis dos actores negros passava-se pela prisão, como revela uma análise recente do New York Times

“Talvez devêssemos ter posto um escravo em Straight Outta Compton. Foi aí que errámos. Para que a Academia nos reconhecesse como ‘um verdadeiro filme negro’”, ironizou Ice Cube sobre o filme que concorre para argumento original.  “E se vemos negros a agir em situações normalizadas, representativas de valores burgueses, de classe média, se os virmos a viver as suas vidas normais – então são ‘filmes negros’”, ri-se Syreeta McFadden. “A sério, não é ‘um filme’?”

Em 1940, Hattie McDaniel, filha de ex-escravos, ganhou o primeiro Óscar de Actriz Secundária por E Tudo o Vento Levou para uma negra; o seu papel era de uma escrava espevitada, nostálgica dos bons velhos tempos do Sul segregado, um de mais de 70 que interpretou como serviçal, e por isso é até hoje uma figura que divide opiniões. Sidney Poitier, o eloquente actor que escolheu papéis de médico, detective ou o teatro clássico, e rejeitava o enésimo Porgy and Bess, foi o primeiro negro a vencer o Óscar de Melhor Actor em 1964 mas era um “Uncle Tom” (o protótipo do negro subserviente perante o superior branco) para os Black Panthers. A representação de um grupo não tem só peso, tem um preço. 

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Gostos e quotas
O hashtag da temporada de prémios suscita uma crítica evidente, a de sugerir uma espécie de quota. A subjectividade do gosto informa as nomeações para os Óscares, como quaisquer outras distinções. É possível divergir, sempre - haverá quem defenda que Pulp Fiction seria um vencedor mais meritório do que Forrest Gump em 1994; Driving Miss Daisy, com Morgan Freeman a conduzir Jessica Tandy é mais memorável do que dia quente de Não Dês Bronca, de Spike Lee, para o cinema dos anos 1990? Poitier não podia ter ganho com No Calor da Noite e a sua bofetada ao branco sobranceiro? Will Smith está assim tão bem em A Força da Verdade? Straight Outta Compton, filme sobre os rappers dos NWA que praticamente não estreou fora dos EUA, podia ser mesmo o nono dos oito nomeados de 2016 (em dez possíveis) para melhor filme? Porque não outro filme? Leonardo DiCaprio não devia ter ganho por O Lobo de Wall Street e não, previsivelmente este ano, por O Renascido?

April Reign, a criadora do OscarsSoWhite, esclarece: “não escolham uma pessoa negra ou uma mulher realizadora só para poderem dizer que o fizeram”, diz à Academia. O seu propósito é que “os melhores e os mais brilhantes tenham a oportunidade de ir a uma audição e de escrever e realizar”. Por outras palavras, as de Viola Davis ao vencer o primeiro Emmy dado a uma negra – “A única coisa que separa as mulheres de cor de qualquer outra pessoa é a oportunidade. Não se pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem”.

As críticas aos Óscares brancos levantaram ainda mais o véu sobre o significado prático e amplo das estatísticas: a estrutura de produção actual, pouco diversificada, e os poucos projectos com mais mulheres, negros, latinos, asiáticos, homossexuais ou pessoas transgénero que avançam faz com que haja menos candidatos potenciais aos prémios ou aos grandes papéis que depois lançam carreiras, aumentam ordenados, emitem sinais para o mercado e que podem diversificar os gostos. “Quando vou aos escritórios” dos estúdios, “não vejo negros a não ser… o segurança”, disse Spike Lee ao aceitar o seu Óscar honorário numa cerimónia em Novembro, antes de a polémica se inflamar. 

Embora os filmes com elencos multirraciais chamem mais público aos cinemas e, nos últimos 25 anos, negros, hispânicos e asiáticos tenham, em média, comprado mais bilhetes para o cinema do que os brancos, é tudo uma questão de dinheiro, diz um realizador que estará esta noite no Dolby Theater em Los Angeles. Foi o dinheiro, admitiu Ridley Scott, que o fez contratar um branco para fazer de hebreu, Christian Bale como Moisés em Exodus: Deuses e Reis (2014). “Não consigo montar um filme com este orçamento e dizer que o meu protagonista é Mohammed não-sei-quantos… Simplesmente não vou arranjar financiamento”. Na mesma medida, o branco de ascendência sueca Jake Gyllenhaal foi O Princípe da Pérsia e a branca de ascendência nórdica e britânica Emma Stone fez de sino-havaiana em Aloha, de Cameron Crowe.

A dinamarquesa Susanne Bier é realizadora há mais de 25 anos e recebeu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011 por Num Mundo Melhor. Lamenta que a indústria insista “numa visão enviesada sobre a nossa sociedade, um enorme erro. Se queremos dirigir-nos ao público temos de reflectir o mundo real, ver mulheres em papéis diferentes dos que costumam ter oportunidade de desempenhar e é preciso haver mulheres e homens não-brancos em papéis que não costumam desempenhar. É crucial”. 

Mas “um executivo branco tem tendência para contratar outro executivo branco, é quase inconsciente, em vez de mostrar culturas da qual não faz parte”, diz o realizador e produtor Judd Apatow ao PÚBLICO, e “o problema só se resolve realmente contratando executivos e argumentistas e realizadores negros”, sugere, “mas neste negócio só interessa fazer dinheiro. Isto vai mudar de forma muito lenta”.

Quem ganha?
Esta noite haverá protestos nas imediações do Dolby Theatre liderados pelo reverendo Al Sharpton e em várias cidades, e os realizadores de Selma e O Legado de Rocky Ava DuVernay e Ryan Coogler estarão num evento de direitos humanos em Flint, Michigan. Já a National Association for the Advancement of Coloured People, uma das mais importantes organizações de defesa dos direitos civis, não vai boicotar a cerimónia. Os 88.ºs Óscares são aqueles em que a Academia com uma presidente afro-americana não vai conseguir evitar o tema da falta de diversidade nas suas nomeações e, por arrasto, na indústria que os alimenta. 

Depois de ter acelerado a mudança de algumas regras para rejuvenescer e diversificar os seus membros, convidou Quincy Jones - que disse que só estaria presente se pudesse abordar o tema da diversidade -, Benicio del Toro, Whoopi Goldberg, Kevin Hart, Kerry Washington, Pharrell Williams ou Priyanka Chopra para darem prémios aos nomeados deste ano. 

O apresentador, Chris Rock, que há dois anos escrevia que Hollywood “é uma indústria branca”, é um dos mais incisivos comediantes americanos. Não se juntou ao boicote lançado pelos Smith e ao qual aderiu também a primeira mulher transgénero nomeada para os prémios, Anohni, cuja actuação para Melhor Canção foi eliminada da cerimónia. Rock apresentou os Óscares em 2005, três anos depois da cerimónia em que se premiava como melhores actores Denzel Washington e Halle Berry (a primeira actriz principal, 62 anos depois de Hattie McDaniel) e se honrava Sidney Poitier com Whoopi Goldberg como mestre de cerimónias. Chamaram-lhe os “Óscares negros”.

O seu monólogo parece ser tão aguardado quanto a revelação do Melhor Filme. “Aprecio o facto de Chris Rock, que é brilhante, ir apresentar este ano, mas uma abertura de cinco minutos não vai apagar as preocupações que temos sobre mais de 80 anos de apagamento de comunidades marginalizadas por parte da Academia”, ressalva April Reign no Los Angeles Times

No fim da era Obama e com a retórica Trump ligada aos amplificadores, na música americana o hip hop é “a” cultura mas há muito que não há ilusões de pós-racialidade. Para Syreeta McFadden, o #OscarsSoWhite veio “desafiar a normalidade” de quem ainda não tinha dado por isso. “A questão dos Óscares na verdade é só uma expressão de um tema mais amplo. Estamos a assegurar-nos de que toda a gente tem uma oportunidade?”, perguntou Obama há semanas. Esta noite, quem ganha? com C.L.C.

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