Os trabalhos de Marion

Um melodrama com mensagem, mas nenhuma intensidade.

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Trailer Dois Dias, Uma Noite

Há uma diferença enorme entre os primeiros Dardenne e um filme como Dois Dias, Uma Noite. A ferocidade, quase selvática, com que se filmava a luta pela sobrevivência dos deserdados, dos “olvidados” e demais abandonados (de que Rosetta, filme tão abstracto e tão concreto em simultâneo, continuará a ser exemplo maior) converteu-se aos trâmites do “melodrama social”, numa tepidez que praticamente reduz tudo ao “tema” e à discussão temática.

No papel está tudo certo: a ideia é boa, enquanto reflexo da “crise” vigente na Europa contemporânea e do seu efeito devastador ao nível das relações humanas, virando iguais contra iguais (no caso, os trabalhadores da mesma fábrica), impossibilitando a “união” (também no sentido “sindical” do termo) e gerando já não a “luta de classes” mas a luta “dentro da classe” por coisas tão básicas como um posto de trabalho.

É o ponto de partida do filme: Marion Cotillard (que não tem mal nenhum em si mesma, mas é uma vedeta, um rosto reconhecível, que anula o efeito que tinham os rostos desconhecidos protagonistas de outros Dardennes) precisa de convencer, um a um, os seus colegas de trabalho a abdicarem de receber um prémio de produtividade e a escolherem, em vez disso, a manutenção do emprego dela — porque o patrão ou paga os prémios ou despede uma pessoa. Tarefa hercúlea — são “16 trabalhos” e 16 colegas — que o filme segue numa sucessão de encontros, maneira também de dar, em “radiografia”, uma perspectiva do panorama laboral na Bélgica actual (estamos, como habitual nos Dardenne, na zona de Liège). Também por isso, Dois Dias, Uma Noite resulta esquemático, arrefecido, sem intensidade nenhuma, nem ao nível das personagens nem ao nível da condução narrativa.

O espectador vai reconhecendo a justeza da “mensagem” e a inteligência do propósito mas não tem, verdadeiramente, razão para muito mais do que esse reconhecimento (e há uma banalidade na mise en scène, uma “linha branca”, que até nos faz ter saudades do frenesi da “câmara-lapa”, colada à pele dos actores, que já foi trademark dos irmãos). Restam três, quatro momentos breves e fugidios — três ou quatro pausas (as cenas no carro), mais a tentativa de suicídio (“Acabei de engolir uma caixa de Xanax”) resolvida, muito bem, em elipse muito mais cómica do que dramática. E, fora a discussão temática, é quase tudo.

 

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