Os livros calados

Acabei de ler Samuel Beckett's Library, em que Dirk Van Hulle e Mark Nixon espiolham o que resta da biblioteca de Beckett, lendo as marcas deixadas ou não deixadas por ele, à luz da obra dele e da vasta literatura crítica sobre ele.

No outro dia fiz o elogio do livro. Hoje vou falar das limitações. Primeiro, a última biblioteca de Beckett contém muitos livros oferecidos por amigos que não foram lidos.

Segundo, Beckett fez pouquíssimas anotações nos livros dele. A melhor de todas é filha única: depois de um fino trecho de Proust a falar da escrita dele como sendo uma lupa para o leitor mais bem se conhecer através dela, Beckett comenta "Balls". É a versão mais lacónica de "nonsense" ou "bullshit". Todos os críticos a citaram, levando a crer que havia mais. Não há: só há um Ptui depois de uma bojarda francesa.

Terceiro, em vez de ler a biblioteca de todos os livros que Beckett não deu ou deitou fora antes de morrer, os autores caem no erro de criticá-la. Por exemplo, na página 127: "Infelizmente, a biblioteca de Beckett não não nos dá uma ideia adequada do envolvimento dele com a literatura espanhola e portuguesa". Infelizmente porquê?

Da poesia de Pessoa Beckett escreveu que Pessoa tinha "the odd whisper of non-being that terrifies among the weeds".  É o estranho despessoamento que faz medo que Beckett acha "moving" - comovente.

É isso mesmo que eu sinto com este bom mas pequeno livro: comoveu-me mas desiludiu-me. Não é fácil.

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