Ordem e beleza

Norberto Lobo e João Lobo compõem um belíssimo som desirmanado, atirado a perscrutar o ar sem forma definida

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Ouvido agora, Mogul de Jade parece um disco ingénuo, em que Norberto e João Lobo (sem ligação de sangue) entravam cada um com as duas ferramentas e carpinteiravam belissimamente em conjunto mas em que a música soava, apesar de uma desbragada liberdade, quase sempre a isso: Norberto e João a tocarem juntos. Claro que, pelo meio, havia Bragança, uma canção luminosa, caída de algures graciosamente aos trambolhões, uma peça desasada no meio de outras experiências sempre consequentes mas, percebe-se agora, bastante avulsas. Mogul de Jade não é um disco menor, mas Oba Loba trepou-lhe pela espinha acima.

O que Norberto e João Lobo assinam neste Oba Loba é música de outra ordem. E teria necessariamente de assim ser, uma vez que se apresentam em sexteto — na companhia de quatro músicos pescados nas águas do jazz internacional. Mas em que Norberto, que não desacelera na sua produção solística (ainda há pouco lhe conhecemos o excelente Fornalha), aparece agora mais diluído e, portanto, num modo mais surpreendente. A surpresa é tal que temas como Kasuari e Castoriumsoam a belíssimas homenagens à obra produzida por Simon Jeffes aos comandos da sua Penguin Cafe Orchestra (o dedo cabe aqui também ao piano de Giovanni di Domenico), esse exemplo milagroso de um grupo de música de câmara tão atraído pela música folk quanto pelo jazz quanto pelo minimalismo. Para além da proximidade do universo melódico de Oba Loba com o reportório de Jeffes, é sobretudo a partilha desse referencial triangular que alastra a todo o disco e cava um universo sonoro para o sexteto.

Tal deriva, mais chegada a um dos vértices a cada momento, vai empurrando Oba Loba ao longo dos dez temas, quer evoque drones e modos contemplativos orientais (Aaaaaa e Violynn), quer traga uma harpa que poderia desbravar o caminho de uma canção de Devendra Banhart mas que é tocada como se fosse uma kora maliana nas mãos de Toumani Diabaté (Arpa), quer se chegue à soberba manta de retalhos improvisados reunida por Nuno Rebelo em Azul Esmeralda (Tak for Sherman).

O mais relevante é que, como acontece em Tak for Sherman, de um som aparentemente desirmanado, atirado a perscrutar o ar sem forma definida, há uma música que, pouco a pouco, se impõe numa busca por ordem e beleza. 

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