Obama escolheu uma pedra para explicar um museu

Construído de raiz em Washington, o novo Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana do Instituto Smithsonian mostra mais de três mil objectos que contam a história dos negros na América, da escravatura ao presente

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Barack Obama Astrid Riecken/Getty Images/AFP

Uma sessão de três horas, na qual intervieram George W. Bush e Barack Obama, mas também Oprah Winfrey, Will Smith ou Stevie Wonder, precedeu este sábado de manhã a abertura ao público do novo Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana do Instituto Smithsonian, em Washington, que vem cumprir um projecto pensado pela primeira vez há mais de cem anos por um grupo de veteranos negros da guerra civil americana.  

“Este museu ajuda-nos a contar de forma mais rica e mais completa a história de quem somos”, afirmou Obama, que entre as mais de três mil peças expostas no museu escolheu falar de um bloco de pedra sobre o qual foram “leiloados e vendidos como gado” milhares de escravos “arrancados às suas mulheres e filhos”. Mas o que chamou a atenção do Presidente foi uma pequena placa metálica aparafusada a esta pedra, na qual se lê: “O general Andrew Jackson [então presidente dos Estados Unidos] e Henry Clay [um senador do Kentucky que foi várias vezes candidato à Presidência] discursaram nesta pedra em Hagertown no ano de 1830”. Que de tudo o que aquele bloco de pedra tem para contar se tenha escolhido “comemorar o discurso de dois homens poderosos”, argumentou Obama, mostra quanto a História pode deixar de lado e "explica por que é que este museu era tão necessário”.  

Se a ideia do museu tem cem anos, o projecto só arrancou de facto em 2003, quando George W. Bush assinou a lei a autorizar a sua construção. Um momento da cerimónia que nenhum fotógrafo terá falhado foi o de Michelle Obama a abraçar calorosamente o ex-presidente republicano, que subiu ao palco para afirmar que “nenhuma grande nação esconde a sua história” e que este museu “mostra o compromisso com a verdade” de um país que “manteve milhões acorrentados”. Mas Bush salientou também a capacidade da América para mudar, lembrando que houve tempos em que “a escravatura e a segregação pareciam eternas, mas não a pessoas como Rosa Parks ou Martin Luther King”.

Tanto Bush como Obama salientaram também a importância simbólica de o novo museu, cujo edifício foi projectado pelos arquitectos Philip Freelon e David Adjaye e suas equipas, ter sido erguido no coração simbólico do país, no parque nacional de Washington, defronte do obelisco que evoca o primeiro presidente americano e a meia-distância entre o Capitólio e o Lincoln Memorial. A obra custou mais de 550 milhões de dólares, maioritariamente reunidos através de doações de mais de 100 mil pessoas.

A sessão, a que assistiram na plateia Bill Clinton, o vice-presidente Joe Biden ou Robert DeNiro, incluiu ainda intervenções do director do museu, Lonnie G. Bunch, do congressista John Lewis, da Geórgia, um histórico defensor dos direitos civis e um dos grandes impulsionadores deste projecto, e de várias celebridades do mundo do espectáculo, como Oprah Winfrey e o actor Will Smith, que travaram uma espécie de disputa de citações literárias ao vivo. A mais divertida foi uma frase do escritor e crítico de jazz Albert Murray evocada por Smith: “Nós inventámos os blues e os europeus inventaram a psicanálise: cada um inventa aquilo de que precisa.”

Antes mesmo de se abrirem as portas ao público, a cerimónia terminou com Barack e Michele Obama a tangerem um sino vindo daquela que é considerada a mais antiga igreja baptista fundada por negros (em 1776), com representantes de quatro gerações de uma família afro-americana, os Bonner, a ajudarem-nos a puxar a corda - da bisavó Ruth, de 99 anos, filha de um escravo que fugiu e que acabou por se licenciar em Medicina, à sua bisneta de sete anos.

No longo discurso de Obama, um momento politicamente forte foi a sua sugestão de que "este museu pode ajudar o visitante branco a compreender melhor a ira dos manifestantes de Ferguson ou Charlotte” – uma referência às manifestações de protesto e motins suscitados pela violência policial desproporcionada contra afro-americanos –, mas também, acrescentou, “ajudar os negros” a “reconhecer a sinceridade dos polícias que se esforçam por os compreender e por fazer o que está certo”.

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