O “teatro da vida” contado à mesa

Até domingo, no Teatro Nacional São João, no Porto, O meu jantar com o André senta à mesa dois amigos numa conversa que nos faz reflectir.

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João Tuna
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Num restaurante em Nova Iorque, André e Wally reencontram-se após um longo período sem se verem. Em comum têm vidas dedicadas ao teatro. O primeiro é encenador, o segundo dramaturgo e a conversa que dura cerca de 1 hora e 45 minutos não é mais do que uma reflexão e um debate sobre a importância do teatro na vida de cada um mas também sobre a sua própria existência. Lançam-se perguntas mas será que se encontram as respostas?

Uma mesa, duas cadeiras, uma garrafa de vinho, uma de água, dois pratos, o cenário ao nível da plateia, como se também os espectadores fossem convidados a jantar e a reflectir sobre as suas próprias vidas, sobre o seu trabalho, sobre o que o teatro pode ou não fazer por eles. Era este o grande objectivo de Manuel Wiborg ao encenar a peça: “Pôr as pessoas a reflectir sobre si, sobre a sua forma de estar no mundo”, explica o encenador ao PÚBLICO. 

O que andamos a fazer aqui na vida, o que é que andamos a fazer aqui na arte? "Consegui sempre viver na minha arte mas nunca na minha vida", diz-se logo no início da peça, citando uma frase do filme Sonata de Outono, de Ingmar Bergman.“Há pouco teatro que fale disso assim tão directamente como esta peça”, destaca o encenador que a apresenta no Porto até 31 de Julho, depois de a ter estreado, em 2013, no Teatro Taborda, em Lisboa, e de já a ter levado aos EUA e a Macau. 

Originalmente, o texto não era uma peça, mas um argumento de um filme realizado por Louis Malle, em 1981, e protagonizado pelos próprios autores – o dramaturgo e actor Wallace (Wally) Shawn, aqui interpretado por Manuel Wiborg, e o encenador André Gregory, representado por João Vaz. Realidade e ficção cruzam-se. "Os dois escreveram a peça sobre eles próprios, sobre conversas que foram tendo ao longo da vida. Escreveram sobre a sua própria realidade”, observa o encenador. 

 A natureza terra-a-terra de Wally Shawn contrasta com a extravagância espiritual de André Gregory, que é o “pilar” da peça. “O Wally é aquela pessoa que diz que fica em casa, vai escrever as suas peças, lê as críticas, quer vendê-las. O André é o grande encenador, famoso na Broadway, que atinge um estatuto mas que depois entra em crise existencial”, conta Manuel Wiborg. 

E o prato principal do jantar é a jornada que André faz à procura de coisas novas para a sua arte e para a sua vida. De ritos teatrais ao luar, numa floresta da Polónia, com o encenador polaco Jerzy Grotowski, a uma viagem ao deserto do Sahara para tentar criar uma peça baseada n’O Principezinho de Saint-Exupéry, aos pequenos prazeres da vida, como uma chávena de café pela manhã ou a leitura da autobiografia de Charlton Heston. Uma espécie de catarse que o fez perceber "pela primeira vez na vida o que é estar vivo".

No teatro "vemos uma vida mais longa, maior", argumenta o encenador. "Na vida real, nós vemos as pessoas por fora. Esta peça põe ali aqueles dois senhores para as pessoas poderem observar como eles são no seu íntimo”, diz Wiborg, notando que, "apesar de o argumento ter sido escrito há 35 anos, todas as questões que levanta são hoje questões pertinentes do métier, que se devia debruçar mais sobre elas e debatê-las”.

Os diálogos dos actores-autores fazem um retrato íntimo de uma amizade, para lá do teatro. Numa dialéctica moderna, “uma espécie de Dom Quixote e Sancho Pança: muito diferentes, mas que não podem existir um sem o outro”, refere Manuel Wiborg, recordando a apreciação do crítico Mike Nichols. 

Ficam as interrogações sobre a arte, o amor, o casamento, a morte, e a busca contínua de respostas para as questões quem sou, de onde vim, para onde vou. O próprio André Gregory diz que esta é uma peça que não apresenta nenhuma resposta, só levanta questões. “O Álvaro Rosendo [fotógrafo da peça] dizia-me que os jovens gostavam da peça porque os provoca. E o teatro para mim tem essa função, a de tocar as pessoas, de as emocionar, de as enervar, de alterar a condição do espectador”, remata o encenador. 

Texto editado por Luís Miguel Queirós

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