“O Spotify já é a segunda maior fonte de receita de música digital para as editoras na Europa”

Yann Thebault, director do Spotify para o Sul da Europa, diz que o serviço de streaming já deu à indústria da música mais de 2,6 mil milhões de euros. O futuro, diz ele, passa por aqui. A cantora norte-americana Taylor Swift discorda, mas ele não quer falar dela.

Foto
Yann Thebault trabalha no Spotify desde 2009 DR

Começou a trabalhar no Spotify em 2009, um ano depois de este serviço de streaming ter sido criado na Suécia, e em 2012 foi nomeado director para o Sul da Europa. Yann Thebault vê no Spotify uma poderosa arma na luta contra a pirataria. Numa entrevista ao PÚBLICO, via email, o francês faz um balanço do Spotify, disponível em Portugal desde 2013. Apesar de não revelar números locais, Thebault tem a certeza de que o futuro da indústria musical passa por aqui. Os artistas que se distanciam do Spotify só se afastam dos seus fãs, defende.

Qual é o universo do Spotify? Quantos subscritores pagos tem neste momento?
O Spotify está agora disponível em 58 países, com mais de 75 milhões de utilizadores activos, dos quais mais de 20 milhões são pagantes. Desde o lançamento na Suécia, em 2008, já entregámos [à indústria da música] mais de três mil milhões de dólares (2,6 mil milhões de euros). Um valor que continua sempre a crescer.

Quantos destes utilizadores são de Portugal? Qual é a importância do mercado português para o Spotify?
Não temos números locais disponíveis, mas podemos dizer que o Spotify é agora a segunda maior fonte de receita de música digital para as editoras na Europa, assim como é o maior e mais bem-sucedido serviço de streaming de música deste tipo em todo o mundo. Em Portugal, temos acordos com uma vasta maioria das editoras internacionais e portuguesas, o que garante aos utilizadores um óptimo catálogo.

Apesar de serem apontados como parte do futuro da indústria da música, o Spotify continua a perder milhões de euros. Qual é o panorama para a empresa?
O nosso foco continua a ser oferecer uma experiência inigualável a um público global. Isso consegue-se a longo prazo.

Qual é, por exemplo, o peso da publicidade no negócio?
Apesar de não revelarmos todos os pormenores do nosso modelo de negócio, é importante referir que as receitas tanto do serviço gratuito, como da publicidade e dos nossos subscritores, geram mais dinheiro para a indústria da música.

O Spotify vai entrar na bolsa?
Há anos que há uma constante especulação sobre isto, e, por agora, é apenas isso. Neste momento, estamos focados em ser o melhor serviço de música disponível.

Isso significa que estudam novas oportunidades de negócio?
Estamos constantemente à procura de melhorar a experiência Spotify através da inovação e isso não só vem da inovação que fazemos em casa com o nosso produto, mas também com as parcerias que tornámos possíveis, como aconteceu com a Nike, a Starbucks ou a Uber, para citar algumas.

Qual é o balanço que faz desde que, em Maio, anunciaram que o Spotify teria novas funcionalidades, como vídeos ou podcasts?
Tudo o que queremos é oferecer uma experiência no Spotify cada vez mais completa, mais rica e mais imersiva, que possa ajudar os utilizadores a criarem as bandas sonoras das suas vidas. E isto faz-se oferecendo um diversificado mundo de entretenimento com uma mistura impressionante de boa música, podcasts e vídeos. Já começámos nos Estados Unidos, no Reino Unido, Alemanha e Suécia.

Que tipo de vídeos ou podcasts estamos a falar?
Estamos a falar de conteúdos que incluem entrevistas exclusivas ou sessões de música intimistas com artistas, e também de entretenimento de parceiros como a ABC, a Comedy Central, a Condé Nast Entertainment, a ESPN, a Fusion, a Maker Studios, a NBC, a TED e a Vice Media.

O aparecimento de serviços como o Apple Music ou o Tidal é uma ameaça ao Spotify?
Não gostamos de nos comparar com outros serviços, só nos queremos focar em oferecer aos utilizadores o melhor produto que conseguirmos, e de maior qualidade.

O Apple Music ou o Tidal apostam, por exemplo, na oferta já mais abrangente de conteúdos exclusivos. O Spotify ainda não o faz porquê?
O Spotify preocupa-se em oferecer uma alternativa melhor, mais simples e mais rápida à pirataria, e desde o nosso lançamento já conseguimos atrair milhões de fãs da música, muitos dos quais usavam sites piratas antes de termos aparecido. Estamos muito contentes por estarmos em constante crescimento e inovação.

Em Setembro, por exemplo, o Spotify lançou uma campanha de marketing juntamente com os Foo Fighters que passou por contactar alguns dos maiores ouvintes da banda. Isto significa que estão abertos a trabalhar mais com os artistas?
Estamos sempre a testar novas formas de ligar os artistas aos fãs.

De que forma é que as pessoas que trabalham no Spotify estão atentas às tendências musicais? As sugestões e listas são resultado de um algoritmo ou existe alguma curadoria?
Nós temos a nossa própria equipa de programação e editorial que trabalha nas playlists individualmente para cada um dos 58 países onde o Spotify está presente. Os objectivos desta equipa passam por assegurar aos utilizadores o melhor conteúdo musical e editorial, para cada país, cultura e língua. Acrescenta a isso que todas as playlists e artigos estão divididos segundo as várias hipóteses dos perfis, por isso é ainda mais personalizado.

Recentemente, foram criticados por quererem aceder a dados biométricos, de localização ou a fotografias, com o argumento de adaptar as funcionalidades do Spotify às necessidades dos utilizadores. O que aconteceu e porque precisam de ter este acesso?
Estamos completamente empenhados em proteger a privacidade dos nossos utilizadores e em garantir que o utilizador tem controlo na informação partilhada. Se o utilizador não quer partilhar este tipo de informação, não tem de o fazer. Nós pedimos permissão antes de aceder a qualquer dado – e só o fazemos para fins específicos que permitirão ao utilizador personalizar a sua experiência no Spotify.

Olhando para trás, diria que o Spotify mudou o sector da música?
Começámos o Spotify porque adoramos música e a pirataria estava a matá-la. Nós existimos para ajudar os fãs a encontrar música e para ligar os artistas aos fãs através de um serviço que os protege da pirataria e lhes paga pelo seu incrível trabalho. Estamos a tentar construir uma nova economia na música que sirva os artistas de uma forma que a indústria nunca serviu antes. E está a funcionar – o Spotify é o único grande motor do crescimento na indústria da música, a fonte número um no aumento das receitas (três mil milhões de dólares desde o lançamento), e a primeira ou a segunda maior fonte de receita global da música em vários locais.

É importante deixar claro que o serviço gratuito para os fãs não significa que os artistas não sejam pagos. No Spotify, a música gratuita é sustentada pelos anúncios, e pagamos por cada stream. Hoje, temos mais de 75 milhões de utilizadores activos, 20 milhões dos quais pagam cerca de 120 dólares (105 euros) por ano. Isso é três vezes mais do que aquilo que o consumidor médio de música gastava no passado. Factor-chave: mais de 80% dos nossos subscritores pagantes começaram com o serviço gratuito.

As pessoas que usam a versão gratuita queixam-se muitas das vezes da publicidade irritante a cada dez minutos. É irritante de propósito? É uma forma de levarem as pessoas ao premium?
O Spotify oferece a melhor experiência de música grátis disponível actualmente. São cerca de três minutos de publicidade por hora. Quase nada, quando comparado com a rádio ou a televisão, para se ouvir música ilimitada. Além disso, enquanto a música é grátis para o utilizador, nós continuamos a gerar receitas para os artistas. Quem se quiser livrar dos anúncios, pode gastar tão pouco quanto 6,99€ por mês para ter o Spotify Premium. É o preço equivalente a alguns cafés caprichados.

Há uma série de artistas, como Taylor Swift ou Thom Yorke, que criticam fortemente o modelo de negócio do Spotify. O que tem a dizer sobre isto?
O Spotify vende o acesso à música, em vez da propriedade de canções individuais ou discos. Os direitos são gerados por cada vez que a canção ou o disco são ouvidos (contra a única vez que são comprados), e os nossos utilizadores gastam o dobro do dinheiro em música através da subscrição do que o consumidor médio de música digital gasta [no iTunes, por exemplo]. A economia do streaming é muito diferente daquela dos downloads digitais. Uma comparação adequada obriga a considerar o valor a longo prazo do consumidor. Por outras palavras, a questão que pomos é: quanto é que um subscritor de streaming gera de receitas quando comparado com quem faz downloads pagos. Os assinantes do Spotify Premium são consumidores mais valiosos que aqueles que pagam os downloads, uma vez que gastam pelo menos 120 dólares por ano, enquanto quem paga downloads gasta cerca de 60 dólares (53 euros). Por isso, por exemplo, se os 40 milhões de pessoas que fazem downloads pagos nos Estados Unidos se tornassem subscritores do Spotify, os artistas [editoras, distribuidoras, etc.] ganhariam o dobro pela sua música do que ganham agora.

Pode explicar como é que funciona o modelo de receitas do Spotify?
O Spotify gera receitas das marcas que anunciam no nosso serviço gratuito e dos consumidores que pagam os nossos serviços de subscrição. Pagamos cerca de 70% das nossas receitas aos detentores dos direitos da música. Como disse antes, já pagámos três mil milhões de dólares, mil milhões dos quais só em 2014. O Spotify ainda é um serviço relativamente pequeno, com 75 milhões de utilizadores em todo o mundo.

Não acha que este modelo, em que o pagamento é calculado por cada stream, marginaliza novos artistas (porque têm menos streams)?
Ter música de artistas independentes é importante para nós. Não é preciso ter um contrato com uma editora para ter a música no Spotify; trabalhamos com agregadores de artistas para termos conteúdo independente. Temos um serviço que tratará da licença e distribuição da música, assim como administra o pagamento dos direitos que resultem dos streams no Spotify. Os artistas independentes podem receber até 100% dos seus direitos no Spotify ao usarem um dos nossos parceiros agregadores. Explicamos isso no nosso site na página dedicada aos artistas.

Quem recebe a maior percentagem das receitas?
O Spotify paga direitos por todas as canções ouvidas no nosso serviço, distribuindo 70% de todas as receitas a todos os titulares de direitos. Por titulares de direitos, referimo-nos aos proprietários da música que está no Spotify: editoras, publishers, distribuidoras e, através de uma extensão de distribuidores digitais, os próprios artistas independentes. Como é que isto funciona? Os 70% que pagamos são divididos pelos detentores de direitos em conformidade com a popularidade da sua música no serviço. A editora ou o publisher divide estes direitos por cada artista dependendo dos seus acordos individuais. Quando pagamos a um titular de direito, fornecemos toda a informação necessária para a atribuição dos respectivos direitos a cada um dos seus artistas.

É justo culpar o Spotify pela quebra das vendas na música, como Taylor Swift fez quando abandonou o serviço no ano passado?
Ao trazer ouvintes para o nosso serviço gratuito, patrocinado por publicidade, estamos a migrá-los para longe da pirataria e de plataformas menos legítimas, permitindo-lhes que gerem muitos mais direitos do que aqueles que alguma vez gerariam. Assim que usam o modelo gratuito, conduzimo-los para a nossa subscrição premium, duplicando, pelo menos, o montante que gastam com música de menos de cinco dólares por mês (a média gasta pelos consumidores em downloads nos Estados Unidos) para 9.99 no Spotify [em Portugal, a assinatura mensal do Spotify Premium custa €6.99]. Fomos bem-sucedidos ao aumentar as receitas para os artistas e editoras em cada país onde operamos. Volto a lembrar os três mil milhões de dólares já pagos. Alcançámos orgulhosamente estes pagamentos, apesar de termos relativamente menos utilizadores que o Rdio, o iTunes ou o Pandora. E, à medida que continuamos a crescer, temos a expectativa de conseguir gerar muitos milhares de milhões em direitos.

Qual é o impacto de perder um artista com a escala global de Taylor Swift?
Retirar a música de serviços de subscrição não só aliena os fãs, como contribui para a pirataria. O nosso objectivo é ter toda a música possível no Spotify. Já vimos que os fãs que querem ouvir em streaming não compram as canções ou os álbuns. Nós licenciamos e pagamos por cada vez que uma música é tocada, as canções dos artistas podem estar em todos os serviços e sites onde as pessoas podem ouvir tudo o que quiserem de graça e os artistas não ganham com isso como ganham com o Spotify.

Taylor Swift escreveu no ano passado: “A pirataria, a partilha de ficheiros e o streaming encolheram os números de vendas de álbuns drasticamente.” A pirataria, a partilha de ficheiros e o streaming estão ao mesmo nível?
Isto já foi explicado no nosso blogue pelo nosso fundador e CEO, Daniel Ek. Ele explicou esta clássica correlação sem causalidade – as pessoas vêem que os downloads estão em queda e o streaming a subir e por isso assumem que este último causa o primeiro. Excepto que toda esta correlação cai por terra quando se percebe um simples facto: os downloads estão em queda tão rapidamente em mercados onde o Spotify nem existe. O Canadá é um bom exemplo, porque tem um mercado maduro na música muito similar ao dos Estados Unidos. O Spotify foi lançado no Canadá exactamente há um ano. Na primeira metade de 2014, os downloads pagos caíram tão drasticamente no Canadá – sem Spotify – como caíram em todo o lado. Se o Spotify está a canibalizar os downloads, quem é que está a canibalizar o Canadá?

A pirataria e a partilha de ficheiros também afectam o Spotify? Qual é a maior ameaça ao vosso serviço?
É a pirataria. Em quase todos os países, a maioria da música ainda é obtida ilegalmente. Por isso, a pirataria é, de longe, o nosso maior competidor e ameaça. Mas acreditamos que temos um serviço que pode tornar a pirataria de música redundante, e nos nossos mercados mais maduros, como a Noruega, já está de facto a batê-la.

Como é que vê o mercado da música digital daqui a dez anos?
Acreditamos que a principal fatia do consumo vai estar centrada no acesso à música, numa lógica de self-service, que é o que oferecemos, e não na propriedade directa. Ao mesmo tempo, algumas pessoas vão continuar a querer possuir a sua música preferida. Muita gente ainda continua a apreciar o som, o aspecto e o toque únicos do vinil. Do lado dos downloads, achamos que o formato ainda pode ser mais desenvolvido, acrescentando um elemento visual, por exemplo.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários