O seu nome é Shamir

Álbum de estreia em estado de graça: uma pop dançante para voz andrógina, com Las Vegas no horizonte.

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Shamir: “Sou um jovem negro de 20 anos com voz de rapariga branca de 16” Ruvan Wijesooriya

Foi no ano passado que, pela primeira vez, Shamir Bailey, apenas 20 anos, deu nas vistas. Alguns meses depois, ei-lo com o seu álbum de estreia e as possibilidades entrevistas nesse single inaugural totalmente confirmadas. 

Como acontece com tantos outros discos da pop contemporânea, ouve-se Ratchet pela primeira vez e parece que já ouvimos aquilo em algum lado. Sentem-se influências das arquitecturas disco dos anos 1970 e de alguma pop electrónica dos anos 1980, bem como das afectações funk de Prince ou das estruturas mais esqueléticas da música house dos primórdios. E até se pressentem ascendências daqueles que, nos últimos anos, já foram marcados por essas silhuetas, da pop dançante de Azealia Banks à reactivação pós-punk e neo-disco da editora nova-iorquina DFA Records, dos anos 2000 até à actualidade. 

E no entanto é uma obra que respira vitalidade. Depois de fazer reflectir em inúmeras coisas, acaba por convidar a não pensar — e a desfrutar, simplesmente. Mérito do produtor Nick Sylvester, que percebeu exactamente do que Shamir precisava para evidenciar os seus atributos como intérprete — uma sonoridade electrónica enxuta, com as doses bem medidas de melodias sintéticas e ritmos metronómicos, com qualquer coisa de colorido, mas que nunca se torna exuberante sem razão. 

Em algumas canções, o músico opta um registo mais falado; noutras, por um registo mais cantado, adaptando-se com maleabilidade ao que cada canção vai pedindo, revelando sempre um misto de confiança e fragilidade, pontuadas por uma voz luminosa e andrógina, capaz de expor emoções ambíguas com grande espontaneidade. Como ele já disse, meio a brincar, meio a sério: “Sou um jovem negro de 20 anos com voz de rapariga branca de 16.” 

Dir-se-ia estarmos perante alguém proveniente dos meios mais mundanos de Nova Iorque, mas não. Shamir é de Las Vegas e faz questão de o cantar. Aliás, o seu percurso não é evidente. Antes de se lançar a solo fez parte de uma banda punk, e costuma afirmar que enquanto amigos e familiares cantavam gospel na igreja aos domingos ele ficava em casa a ouvir country, tendo até começado a aprender a tocar guitarra e bandolim — chegou a fazer uma versão de uma canção da cantora Lindi Ortega. 

Ou seja, percebe-se que o seu carisma se alimenta de muitas cambiantes. Um quadro que leva a pensar que o álbum agora lançado constituiu apenas uma das suas muitas facetas. Tudo indica que, nos anos vindouros, iremos ouvir falar muito dele. 

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