O último dos Pink Floyd é mais importante pelo simbolismo do que pela relevância musical

The Endless River é tocante pela nostalgia que evoca, mas frustrante porque o passado recordado é, naturalmente, mais marcante

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O último dos Pink Floyd tornar-se-á mais importante pelo simbolismo que pela relevância musical Andy Earl
“There are a lot of things left unsaid”

, diz a voz que surge a início, qual retalho de emissão rádio ou de gravação de conversa caseira, sobre o fundo de sintetizador contemplativo, muito Rick Wright, e da guitarra acústica dobrada pela eléctrica, muito David Gilmour. Ao longo de 18 canções, perceberemos que a exclamação não é necessariamente correcta. 

The Endless River

, o primeiro álbum dos Pink Floyd em 21 anos e já confirmado como a despedida da banda, não nasceu por ter ficado muito por dizer.

Criado a partir de mais de 20 horas de gravações feitas durante as sessões de The Division Bell (quer utilizando-as directamente, quer compondo inspirados nelas), é como que um Requiem pela banda e, ao mesmo tempo, dizem David Gilmour e Nick Mason, uma homenagem a Rick Wright, o teclista morto por um cancro em 2008. De resto, o facto de ser quase exclusivamente instrumental (a excepção é a última das dezoito músicas, Louder than words), acentua essa sensação. Porque sendo os Pink Floyd uma banda cuja discografia está repleta de álbuns conceptuais onde se tentou casar da melhor forma possível a música e as palavras, foi sempre o som (estelar em altíssima fidelidade, em descrição simplista) que lhes deu identidade, que lhes garantiu culto, devoção e o estatuto como uma das bandas mais célebres e mais idolatradas na história do rock.

The Endless River

, com edição marcada para 10 de Novembro, mas já em pré-venda no iTunes ou em lojas como a FNAC ou Amazon, é uma viagem por esse som – uma revisita e uma celebração, portanto. Com cerca de uma hora de duração e dividido em quatro secções, uma por cada lado de um duplo álbum de vinil, alude por exemplo a

Welcome to the machine

, de 

Wish You Were Here

, no início de 

It’s what we do

, o segundo tema do alinhamento, mas troca a tensão de 1975 pela serenidade em que os encontramos agora. O ambiente de 

Anisina

, por sua vez, encaminha-nos para as proximidades de 

Us and them

, mas, infelizmente, sem a mesma graciosidade – a ausência de voz, neste caso, evidencia tratar-se mais de um esquisso que uma canção plena, e os desinspirados, aburguesados, solos de sax e de guitarra só pioram o cenário.

Anisina

, bem como 

Allons-y (1)

 e 

Allons-y (2)

, inspirados no lado bombástico, muito datado, de 

Momentary Lapse of Reason

 (o primeiro álbum pós-Waters), são os pontos baixos do disco (quando, daqui a décadas, continuarmos a recordar os Pink Floyd, o período dos anos 1980 não será certamente o mais recordado). O coração de 

The Endless River

 não está, felizmente, ali. Esse, bombeia sangue através das curtas passagens ambientais criadas com os sintetizadores ou piano de Rock Wright e com a cristalina guitarra slide de David Gilmour (a assinatura do guitarrista). Esse ouvimo-lo bater mais rápido, no início da segunda secção do álbum, com Nick Mason a criar um ritmo turbulento para que se erga uma convulsão sonora em que guitarras silvam pesadelos e em que os teclados são motor em combustão elevando-nos espaço fora (é óptimo viajar por 

Sum

 e 

Skins

).

Para ser justa com o percurso da banda, a despedida dos Pink Floyd deveria ter incluído Roger Waters, o baixista outrora líder e criador dos “guiões” de álbuns como Dark Side Of the Moon ou The Wall. Sabemos, porém, que juntá-lo a David Gilmour e Nick Mason seria impossível. Têm trinta anos (Waters abandonou a banda em 1985) e um oceano de diferenças inconciliáveis a separá-los. Ainda assim The Endless River acaba por tê-lo presente (basta ouvir as linhas de baixo, tocadas ao seu modo). 

Ao longo de todo este disco de som imaculado, como é obrigatório na banda que, com Dark Side Of The Moon criou o paradigma de alta-fidelidade em contexto rock, somos atravessados por uma sensação ambivalente. Queremos fruir a música que nos é oferecida agora, mas cada momento, cada acorde de guitarra, cada nota de piano, cada ritmo de bateria e cada momento em que os coros se juntam ao cenário é porta aberta para o regresso ao passado. “The Endless River” é tocante pela nostalgia que evoca, mas também frustrante (porque o passado recordado é, naturalmente, mais marcante). Porém, quando chegamos a Louder than words, a última música, a única verdadeira canção, interpretada por David Gilmour, essa tensão como que se resolve.

Balada etérea grandiloquente, tipicamente Pink Floyd (os tardios), Louder than words, tal como o álbum em que o encontramos, tornar-se-á mais importante pelo simbolismo que pela relevância musical. Representa o fim, cinco décadas depois. Tudo pesado, ouvimo-los: “We bitch and we fight / Diss each other every night / But this thing that we do / It’s louder than words / The sum of our parts / The beat of our hearts / It’s louder than words”. O rio chegou ao mar. 

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