O reencontro emocional de General D com Portugal

Há quatro meses, através de uma reportagem em Londres, fomos resgatar do esquecimento General D, o rapper, activista e pioneiro do hip-hop em Portugal, que este sábado ressurgiu em palco em grande forma, numa celebração imensa, no contexto do festival Lisboa Mistura.

Fotogaleria
General D Daniel Rocha
Fotogaleria
General D e bailarinas Batoto Yetu Daniel Rocha
Fotogaleria
General D Daniel Rocha
Fotogaleria
General D Daniel Rocha
Fotogaleria
General D e Boss AC Daniel Rocha
Fotogaleria
General D e o filho também rapper Daniel Rocha
Fotogaleria
General D e os Black Company Daniel Rocha
Fotogaleria
General D e bailarinas Batoto Yetu Daniel Rocha
Fotogaleria
General D Daniel Rocha
Fotogaleria
General D Daniel Rocha
Fotogaleria
Daniel Rocha

Há quatro meses Sérgio Matsinhe, 42 anos, mais conhecido por General D, estava descansado na sua casa de Londres, onde hoje é um homem de negócios. Precursor do rap em Portugal há mais de vinte anos havia desaparecido de cena no final dos anos 1990 sem deixar rasto, deixando atrás uma forte imagem e alguns discos.

Foi talvez o activista da sua geração que teve maior consciência da dimensão artística do rap, mas também da forma como o estilo poderia funcionar como instrumento de construção das relações e representações sociais que emergiam no Portugal pós-colonial.

Há quatro meses quando o encontrámos em Londres, não lhe passava pela cabeça que daí a pouco tempo iria estar em cima de um palco, recriando as canções que lhe conquistaram culto, ao lado de uma série de representantes das diversas gerações do hip-hop luso, com o largo do Intendente, em Lisboa, repleto, recebendo-o calorosamente, no âmbito do festival Lisboa Mistura.

Mas foi isso mesmo que aconteceu este sábado, num concerto que, como se previa, foi muito mais do que um momento musical. Quando saiu de Portugal, encetando uma verdadeira volta ao mundo, como contámos na reportagem que lhe dedicámos em Março, fê-lo com melancolia. Portugal não estava preparado para ele. E ele também não se sentia preparado para Portugal.

Na noite de sábado sentiu-se o reencontro. Mas não foi apenas de General D, porque o seu capital real e simbólico, a capacidade de congregação, o seu espírito de liderança, fazem com que consiga irmanar à sua volta gente das mais diversas índoles e gerações.

Mais do que a cultura hip-hop, o que se celebrou na noite de sábado foi um país habitado por portugueses de cores, práticas, origens e experiências diferentes entre si, unidos pela música.

Foi por isso uma festa emocional, sempre com o palco cheio de amigos e cúmplices de General D, que veio para Portugal há dois meses para preparar o concerto. E valeu bem o esforço.

Foi uma festa, com cada canção a contar com diversos intervenientes, funcionando General D como mestre-de-cerimónias. Boss AC prestou-lhe tributo, dizendo que por mais longe que ele esteja, “estarás sempre aqui”. Valete gritou que “o hip-hop estava órfão, mas agora o pai regressou”. E Chullage disse que ele era uma das razões porque havia abraçado o hip-hop.

Entre outros, passaram pelo palco, um dos filhos de General D, também ele hoje em dia um rapper, as cantoras Maimuna Jales, Marta Dias ou Selma Uamusse, os Family de Melo D, os Black Company de Bambino, os rappers Chullage, Valete e Boss AC, as vozes soul de Sam e NBC, um corpo de bailarinas, enfim, uma verdadeira multidão, contribuindo para uma celebração singular.

Mas não foi apenas comemoração. Foi também um bom concerto, em crescendo. As canções de General D não eram propriamente conhecidas de todos, mas a conquista gradual foi ocorrendo, permitindo que a interacção entre palco e plateia funcionasse.

E para isso muito contribuiu um naipe de excelentes músicos, como João Gomes nas teclas (que fez a direcção musical), Galiano Neto nas congas, Nir Paris na bateria, Renato no baixo e Ivan na guitarra. Funcionaram como uma verdadeira banda, propondo uma mistura de funk, africanidade, funaná, hip-hop ou soul.  

A sonoridade de General D, apesar de assente no seu fraseado rap, vai muito mais além, congregando influências das várias áfricas e de múltiplas correntes ocidentalizadas. É um híbrido de balanço físico, de sensualidade, mas também de alguma contundência. É dessa junção que emerge a sua identidade. Às tantas perguntou se havia rappers na assistência que quisessem subir ao palco.

Um rapaz e uma rapariga aventuraram-se e saíram-se bem, coadjuvados pela banda. Ao longo de duas horas foi sempre assim, com os músicos a responderem aos apelos de General D e convidados, recriando com novos arranjos temas dos anos 1990, não se sentindo a passagem do tempo, culminando com aquela que é a sua canção mais conhecida (Black magic woman), com a voz soul de Sam a expressar-se de forma impressionante.

Logo de seguida veio o final com toda a gente em palco, para uma última sessão de improviso colectiva, com as qualidades de Valete ou de NBC a virem bem ao de cima, incentivando a assistência. A festa prosseguiu depois, no MusicBox, para uma desgarrada entre rappers, com representantes das diversas gerações portuguesas.  

Foi um regresso empolgante, comovedor e apaziguador de General D, que poderá conhecer outros capítulos artísticos com a gravação de um novo álbum e projectos de intervenção social.

Depois dos concertos de Bombino, Manu Dibango ou Trilok Gurtu Band, o festival Lisboa Mistura despede-se este domingo, a partir das 19h, com uma festa intercultural no Martim Moniz.

Sugerir correcção
Comentar