O pós-guerra a olhar para o pré-guerra

Um argumento denso e nada eufórico no seu retrato do militarismo americano.

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Até à Eternidade é o momento mais feliz da obra de Fred Zinnemann DR

Dois anos depois da última reposição, no verão de 2013, Até à Eternidade volta às salas. As reposições de clássicos serão sempre poucas e pediremos sempre mais, mas esta é uma “re-reposição” bizarra, sobretudo quando anda por aí tanta coisa, no vasto mar das “versões digitais”, em que valia a pena pegar.

O filme de Zinnemann, obviamente, continua a ser o que era há dois anos: um filme-símbolo dos anos 50 americanos, onde foi um enorme sucesso (limpou os Óscares de 1953, com oito estatuetas) e de que se tornou – sobretudo certas sequências, mormente as com Burt Lancaster e Deborah Kerr à beira-mar – uma das peças mais “icónicas”. A sua importância histórica é objectiva no contexto da Hollywood do pós-II Guerra e da imposição de uma sensibilidade de tipo novo, menos maniqueísta, mais franca, eventualmente menos moralista, em especial no tratamento da sexualidade e das relações amorosas, embora se possa argumentar que se trate mais de um “reflexo”, de um filme bem imbuído do ar do seu tempo, do que de um “motor” para uma transformação ou para uma mudança de ares.

Até à Eternidade adapta um romance de James Jones (o autor de The Thin Red Line) e centra-se numa base militar no Havai, no período imediatamente anterior ao ataque a Pearl Harbor e à entrada activa dos Estados Unidos na II Guerra. Fred Zinnemann, um dos muitos refugiados da Europa central que chegaram a Hollywood nos anos 30 à procura de uma ambiente mais respirável, já tinha no currículo alguns filmes significativos sobre os efeitos do pós-guerra – como The Search ou The Men, que revelaram Montgomery Clift (o primeiro) e Marlon Brando (o segundo), justamente dois actores com um tipo de presença e persona que era impensável até aos anos 40. Nunca foi genial, Zinnemann, com a sua predilecção pelos filmes “de tema” – aquela velha sensibilidade “social-democrata” europeia a trazer “seriedade” ao entertainment americano… - e uma tendência para o academismo que o fez ir acumulando pastelão sobre pastelão. Mas Até à Eternidade, com o seu olhar “pós-guerra” sobre um tempo “pré-guerra”, com um argumento denso e nada eufórico no seu retrato do militarismo americano, a quantidade de boas personagens e ainda melhores actores (Lancaster e Kerr, mas sobretudo o par, timidamente “homoerótico”, formado por Montgomery Clift e Frank Sinatra), a solidez dos valores de produção da Hollywood da sua época apoteótica, e last but not the least a sua perspectiva irremediavelmente adulta a pensar em espectadores adultos, é provavelmente – e depois do célebre Homens ao Domingo, feito ainda na Alemanha dos anos 30 em conjunto com outros futuros emigrados como Billy Wilder e Robert Siodmak - o momento mais feliz da sua vasta obra. O filme vive, sessenta e tal anos depois, e revê-lo é bem mais do que ir só ao encontro de uma curiosidade histórica.

 

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