O melhor da Bienal de São Paulo

Pedimos às artistas portuguesas e à directora do Museu de Serralves para escolherem o trabalho que mais gostaram na Bienal de São Paulo.

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Dineo Seshee Bopape Leo Eloy/Estúdio Garagem/Fundação Bienal de São Paulo

Priscila Fernandes

Difícil escolher só um. Houve imensas coisas que me inspiraram nesta bienal, até mesmo durante a instalação das obras, como por exemplo ver a Dineo Seshee Bopape (1981, Polokwane, África do Sul) sentada em cima das suas esculturas de terra prensada durante mais de uma semana a inscrever símbolos e objectos misteriosos por entre a terra. Gostei muito das obras dos anos 70 da Charlotte Johannesson (1943, Malmö, Suécia), — fantástico ver como ela compreendeu uma nova tecnologia, a do desenho digital, com a sua experiência em tecelagem, e como essa experiência serviu para puxar os limites do que era possível realizar com um computador nesses dias. E muito mais.

Carla Filipe

É ingrato escolher um trabalho no meio de tantas obras interessantes, mas evoco o trabalho Heaven, um filme de Luiz Roque (1979, Cachoeira do Sul, Brasil). Trata-se de uma ficção científica na qual existe um vírus que obriga as pessoas a protegerem-se. O meu foco de interesse está na cena do beijo, em que um dos personagens rasga o plástico para beijar o outro. O desejo como transgressão, uma analogia ao desejo de viver, experienciar e ter conhecimento. Rasgar o plástico é também recusar a neblina sobre a vida através da película transparente, dentro da qual, de certa forma, muita gente prefere viver devido ao medo, tal como o texto curatorial fala do medo como um bloqueio à acção e ao conhecimento. O plástico é protecção mas também uma ilusão e canalização do desejo.

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Joana Luz

Suzanne Cotter

Há trabalhos fantásticos e assinalei dois. Um da nossa Carla Filipe (1973, Aveiro), um trabalho muito bonito chamado Migração, Exclusão e Resistência, que é a construção de um jardim logo ali no exterior do pavilhão Mattarzo. Numa espécie de terraço, o jardim é feito com materiais reciclados — pneus antigos, bidons — e Carla Filipe cultivou durante meses um conjunto de séries diferentes de plantas, muitas das quais em risco de extinção, comestíveis mas muito pouco conhecidas.

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Pedro Ivo Trasferetti/Fundação Bienal de São Paulo

O trabalho é muito bonito, não parece ter sido plantado, há algo de muito frágil, natural e poético, mas também é muito crítico, porque fala de espontaneidade, de processos naturais, de generosidade e tem uma proposta crítica que se relaciona com modelos novos de vida em comunidade e de vivência. Um grande trabalho, porque é ao mesmo tempo poético, físico, visual, sensorial e crítico.

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Leo Eloy/Estúdio Garagem/Fundação Bienal de São Paulo

O segundo trabalho é a pista de skate de Koo Jeong A (1967, Seul), que brilha à noite. É algo que tem uma função social associada ao jogo, numa actividade que às vezes é considerada marginal. E tem um poder transformador em termos de espaço publico, é participativo. É algo que desperta o reconhecimento mas ao mesmo tempo é completamente surpreendente e fantástico. Por isso, é também sobre imaginar.

Grada Kilomba

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Lyle AshtonHarris Studio/Cortesia: David Castillo

Lyle Aston Harris (1965, Nova Iorque) foi um dos artistas que mais me influenciou ao longo da minha carreira e que eu vim a conhecer pessoalmente pelo primeira vez nesta bienal. Ele é absolutamente inspirador e revolucionário, uma combinação que me encanta profundamente. O trabalho dele explora políticas de exclusão do corpo negro, de género e do corpo queer num espaço pós-colonial.

Grande parte do trabalho fotográfico dele reconstrói cenários em que todas estas questões se acumulam, corpos negros com máscaras brancas fazendo referência a Frantz Fanon, saias que deixam transparecer um pénis, num contexto colonial ocupado por uma estética da cultura pop. Eu adoro esta capacidade transdisciplinar dele e esta força de atravessar discursos e recuperar identidade. Este e muitos outros trabalhos de Lyle tornaram-se centrais para muitos dos meus estudantes na Universidade Humboldt de Berlim (onde lecciono no departamento de estudos de género, pós-colonial e artes performativas) — pois em quase todos os semestres Lyle Ashton Harris e outros artistas da diáspora africana fazem parte do meu corpo de trabalho “obrigatório” —, exactamente pela sua capacidade de descolonizar conhecimento.

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