O livro ardente

Só um livro me faz, ao mesmo tempo, invejar, estremecer, rir, chorar e permanecer vivo à espera de mais: A Morte Sem Mestre de Herberto Helder. É um livro que dá tesão e arroubo estético ao mesmo tempo. Que eu me lembre não há outro que não tenha sido escrito por ele. E eu lembro-me de tudo.

Li-o numa hora: primeiro duas vezes e depois outra primeira vez. É o livro mais curto que leva mais tempo e dá mais gozo a ler e reler da minha vida. Há-de durar-me e fazer-me valer a vida que já vivi e a outra que já não me falta viver.

Herberto Helder, que sabe escrever a verdade e a vida - viver e escrever - mais bem do que todos os vivos, escritores ou não, machos ou fêmeas, não tem medos nem responsabilidades nem patrões nem objectivos nem vontades que não as verdadeiras sobre as quais ninguém escreve.

A Morte Sem Mestre - que alguns pulhas indefesos têm elogiado ou amaldiçoado com as mesmas incapacidades poéticas de compreensão ou inteligência - é, mais do que uma obra-prima de um escritor e poeta que só consegue escrever obras-primas, um testamento de quem está mais vivo do que qualquer um de nós.

A língua portuguesa é a língua, verga, côna, vida e obra do poeta das nossas palavras todas, com acento circunflexo no ô de côna.

A nossa língua, que serve para falarmos de mais do que deixamos dizer, continua muito presa e trauteada.

A Morte Sem Mestre é um milagre de um livro. Escrito por uma pessoa: Herberto Helder.

O poeta grande, a poesia maior.

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