O general sem voz

"Operação Outono" vê-se bem por entre as suas debilidades, mas deixa um travo a frustração

O elenco heteróclito - que inclui, por exemplo, Camané como guarda-fronteiriço, e o realizador José Nascimento como Barbieri Cardoso - é uma das singularidades desta Operação Outono, reconstituição dos acontecimentos que conduziram (e que se seguiram) à morte do General Humberto Delgado. É pelo elenco, no entanto, que muito depressa temos a sensação de que o filme de Bruno de Almeida não vai correr tão bem como podia ter corrido: John Ventimiglia é um miscast no papel de Delgado, com um à vontade novaiorquino que parece que nunca cola à personagem, agravado por uma dobragem (todos os diálogos do General precisam de dobragem em português) que deixa as suas falas em total assincronia com o movimento dos lábios. Podia ser uma ideia para interromper a “suspensão da descrença”, esta de ter um protagonista - e que protagonista... - permanentemente “out of sync” com a realidade circundante (e nem era preciso rebuscar muito para encontrar aí algum sentido).


Mas não é evidentemente esse o trabalho do filme, que quer e persegue um naturalismo muito mais legível, apenas a espaços tingido por alguma teatralidade (o monólogo de Diogo Dória ao espelho, qual Travis Bickle...) ou encenação processual (as audiências com os ex-pides, já depois do 25 de Abril).

Fora essas debilidades técnicas, de que o “caso Ventimiglia” é exemplo supremo, que dão ao filme um ar “tosco” que não é inteiramente desagradável mesmo se se percebe que a imperfeição não é procurada (apenas não evitada), falta a “Operação Outono” um centro forte, um olhar que una e implique com outro poder toda a diversidade - de registos, de tons - de que ele é feito. Temos a sensação de estar perante uma “colecção de cenas”, umas que resultam bem, outras que nem tanto, uma decomposição da história em episódios, em “vinhetas”, onde o necessário se confunde com o acessório para deixar a impressão de um filme “deslaçado”, com demasiado “ar”, mais esvoaçante do que seria desejável. Há uma certa “democracia” no olhar de Bruno de Almeida, como se o filme não fosse só sobre Delgado mas sobre toda a gente directa ou indirectamente ligada ao caso (do assassino, Pedro Efe em impecável brutamontes, à viúva, Ana Padrão em modo sequíssimo) - mas falta que esta “democracia” encontre o clique para se converter em “mosaico” consistente. Operação Outono vê-se bem por entre as suas debilidades, mas deixa um travo irremediável a frustração.

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