O espírito do Natal na Sala Suggia

A orquestra Barroca Casa da Música e o Coro Casa da Música realizaram um excelente concerto em torno da temática da natividade.

Apesar do repertório se centrar na temática da natividade, o concerto também incluiu obras que não se relacionam com o Natal. A selecção e o alinhamento do repertório proporcionaram um programa coerente e bastante equilibrado no qual sobressaiu a música vocal.

O concerto abriu com a Suite para Orquestra nº 4 em Ré maior BWV 1069 na sua versão original, cujo efectivo instrumental consiste no naipe de cordas, oboés e baixo contínuo. Destacou-se o vigor interpretativo que o maestro Laurence Cummings incutiu na orquestra e que foi particularmente evidente na energia e vivacidade dos andamentos mais rápidos, em particular na segunda Bourrée e no último andamento - Réjouissance. Por outro lado o segundo Menuett, executado por dois quartetos de solistas (cordas e palhetas), proporcionou uma sonoridade camarística, mais discreta e intimista, criando assim um interessante efeito de contraste.

Na Cantata BWV 36, que se enquadra na época litúrgica do Advento, foram protagonistas os quatro cantores solistas, pertencentes ao Coro Casa da Música. Ângela Alves, Íris Oja e Miguel Leitão são cantores que possuem uma assinalável experiência concertista (como solistas e coralistas) e que abrange um leque variado de géneros e estilos musicais. O barítono Luís Rendas Pereira é um jovem cantor em início de carreira. A sua participação a solo neste concerto representou uma oportunidade para amadurecer as suas potencialidades vocais interpretativas. O bom desempenho dos cantores solistas justificou plenamente a aposta nos elementos do coro em detrimento de cantores solistas externos e demonstrou que o Coro Casa da Música é constituído por excelentes cantores.

Ao nível instrumental destacaram-se o oboísta Pedro Castro e o violinista Huw Daniel na execução das partes instrumentais obbligato da ária de Tenor e de Soprano respectivamente. Do mesmo modo se destacou o trio de palhetas (dois oboés d’amore e fagote) que executou as partes instrumentais do coral para tenor.

A orquestra e o coro contribuíram para uma interpretação expressiva, pautada pelo equilíbrio das diferentes partes vocais e instrumentais. É ainda digno de destaque o desempenho dos instrumentistas da secção de contínuo, cuja execução rigorosa e sempre segura contribuiu decisivamente para o bom desempenho dos solistas e do conjunto.

O programa da segunda parte do concerto integrou o Motete BWV 226, a Cantata BWV 133 e o Motete BWV 225 (por esta ordem). Os motetes afastam-se do princípio concertante presente nas duas cantatas, são obras para dois coros nas quais os instrumentos executam exactamente a mesma música que as vozes. O desafio colocado ao coro e à orquestra reside na capacidade de fusão e de equilíbrio das partes e também na exploração de efeitos espaciais e imitativos possibilitados pela divisão do coro e da orquestra em dois grupos. O coro e a orquestra souberam explorar estas características realizando boas interpretações das duas obras.

Na execução da Cantata BWV 133 (para o 3º dia do Natal) destacou-se a vivacidade e a alegria transmitidas pelo coro e pela orquestra no coral de abertura. Ao nível individual sobressaiu a execução da ária de contralto, cuja linha vocal é abundante em melismas. O andamento solicitado por Lawrence Cummings, um pouco mais rápido do que o habitualmente praticado por outros intérpretes, exigiu à contralto Iris Oja uma execução mais enérgica e vigorosa, aumentando a espectacularidade da execução e transformando a ária numa espécie de aria di bravura.

O concerto concluiu com dois encores de Natal, um dos quais (Noite Feliz) contou com participação do público, tendo sido acompanhado pela queda de neve na boca de cena, proporcionando um belo efeito visual perfeitamente enquadrado na quadra natalícia.

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