O escritor no seu cativeiro

A graça está no auto-retrato, na auto-paródia: Houellebecq brinca com a sua fragilidade física, com a quantidade de cigarros que fuma, com o aspecto desarranjado, com o tédio do quotidiano.

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O Rapto de Michel Houellebecq, ou o pequeno teatro do escritor francês. O filme de Guillaume Nicloux, originalmente feito para a televisão francesa, joga em pleno com a star quality de Houellebecq, duma forma que está algures entre a auto-paródia (o número do marginal, misantropo, politicamente incorrecto) e o manifesto ideológico, pois Houellebecq, sem cuja total cumplicidade um filme destes seria impossível, vai disseminando pelo filme algumas tiradas que dalgum modo substanciam aquelas suas declarações ribombantes que costumam fazer as parangonas dos jornais, como por exemplo quando enuncia o carácter profundamente anti-democrático da burocratização do poder na Europa contemporânea.

O Rapto é uma suposição do suposto rapto de Houellebecq em 2011, uma ficção de cinema construída sobre uma ficção mediática (durante algumas semanas desse ano, a imprensa francesa especulou que Houellebecq, aparentemente incontactável, teria sido “raptado”). 

A graça está, primeiro, no auto-retrato, na auto-paródia, e não seremos os primeiros a notar que a imagem que Houellebecq dá de si próprio, e sobre o mundo que o rodeia, faz lembrar bastante alguns famosos comediantes novaiorquinos. Brinca com a sua fragilidade física, com a quantidade de cigarros que fuma, com o aspecto desarranjado, com o tédio do quotidiano. Depois, embora seja aí que o filme se estica para lá do que seria desejável, há ainda alguma graça na relação, totalmente anti-climática, com os seus “raptores”, que são tudo menos criaturas sinistras – e conhecem, discutem, citam, a obra de Houellebecq. 

O Rapto não é mais do que o pretexto, portanto, para uma série de cenas de diálogo, conversation pieces, frequentemente divertidas nos seus aspectos puramente cómicos como na sua densidade “filosófica” irrisória, mas desiguais e com um certo pendor para a auto-complacência que se agravando – ou assim parece – à medida que o filme se estende.

 

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