O Caravaggio que ninguém quis

Resultados dos leilões de pintura antiga que a Christie's está a fazer esta semana em Nova Iorque são os piores dos últimos 13 anos. A quebra do euro face ao dólar e as elevadas estimativas da leiloeira podem justificar o deseinteresse por obras de Caravaggio ou de Canaletto, mas não explicam tudo.

Foto
Rapaz Descascando Fruta, de Caravaggio, 1592-1593 Cortesia: Christie's

Parecia estarem reunidos os ingredientes certos para que Rapaz Descascando Fruta, aquela que é apresentada como a primeira pintura atribuída a Michelangelo Meirisi da Caravaggio, fosse um sucesso no leilão da Christie’s de quarta-feira à noite, em Nova Iorque. Mas não foi isso que aconteceu. A obra, que foi à praça com uma estimativa de venda entre os três e os cinco milhões de dólares (2,6 a 4,4 milhões de euros), acabou por não encontrar comprador.

Uma situação surpreendente quando se leva em conta o contexto: a leiloeira referia-se à obra como uma das estrelas da sua semana dedicada aos mestres da pintura antiga (que acaba esta quinta-feira à noite), ao lado de obras de artistas como Agnolo Bonzino, Guido Reni ou Annibale Caracci; a pintura em causa pertenceu a importantes colecções particulares e esteve em grandes exposições, não mudando de mãos há quase três décadas; e, além disso, há 17 anos que não se leiloava um quadro deste mestre do barroco.

Para uns, a explicação pode estar no facto de a atribuição da autoria de Rapaz Descascando Fruta a Caravaggio – o pintor tê-la-á executado mal chegou a Roma, vindo da sua Milão, em meados de 1592 – não ser consensual. Para outros, são as circunstâncias gerais do mercado as responsáveis pelas vendas da semana da Christie’s terem ficado, para já, muito aquém do previsto.

Recorda o diário espanhol El Mundo que, na noite em que a pintura de Caravaggio ficou por vender, os resultados se ficaram pelos oito milhões de euros, menos de um quarto da estimativa mais alta (34,3 milhões), com mais de metade dos lotes que foram à praça a regressarem a casa (32 em 54). E isto apesar de o director do departamento de mestres da pintura antiga da prestigiada leiloeira, Nicholas H. J. Hall, ter feito questão de, no caso do Caravaggio, levar à sessão alguns dos seus melhores clientes, como Johnny Green ou Martin Zimet.

Como se explica, então, o fracasso de vendas que tem, talvez, no Rapaz de Caravaggio a sua maior expressão? “A debilidade da economia europeia afecta a situação”, sobretudo nas economias espanhola e italiana, disse Hall, defendendo, ao mesmo tempo, que as estimativas eram razoáveis. “[Mas] também há algumas mudanças no mercado. […] Parece-me que agora se insiste que as peças sejam completamente desconhecidas.”

Salomon Lilian, negociante de arte de Amesterdão, corrobora. Sublinhando as altas estimativas da leiloeira, e justificando o desinteresse dos potenciais compradores, lembrou ao site especializado Artnet News que muitas das obras a leilão já foram recentemente ao mercado em palcos como a TEFAF, a prestigiada feira de artes e antiguidades de Maastricht.

Será verdadeiro?
No que diz respeito ao Caravaggio, as dúvidas que rodeiam a autoria e o restauro recente parecem ter contribuído de forma decisiva para que a obra ficasse por arrematar: “Muitos historiadores não estavam de todo convencidos da sua autenticidade, embora outros acreditassem nela”, explicou Hall.

Entre os que não acreditavam está, por exemplo, o galerista Richard L. Feigen, que antes mesmo do leilão argumentou perante os jornalistas que, se a autoria fosse inquestionável, as estimativas não se ficariam pelo tecto máximo dos 4,4 milhões de euros.

Os negociantes de arte presentes no leilão estão de acordo que parte da responsabilidade se deve à quebra do euro face ao dólar, mas garantem que as estimativas da Christie’s eram demasiado optimistas e que os velhos mestres têm vindo a perder popularidade.

Em 2013, de acordo com os dados da European Fine Art Foundation, que acompanha anualmente a evolução das transacções na arte, a pintura antiga representava apenas 10 por cento do mercado, com pouco mais de mil milhões de euros.

“Este é um mundo contemporâneo”, disse à agência financeira Bloomberg um conhecido marchand de Nova Iorque, David Tunick. “Se alguém entra na tua casa vai reconhecer uma Marilyn Monroe de Warhol. Mas se vir uma pequena gravura de [Albrecht] Dürer [1471-1528], o mais provável é que não saiba o que é. É preciso coragem intelectual e financeira para gastar dinheiro neste tipo de coisas."

“Este tipo de coisas” são, no caso do leilão em causa, obras de Hubert Robert (The Canal e The Cascade), de Theodoor Rombout (A Merry Company) ou de Canaletto (Piazza San Marco).

Sejam quais forem os motivos, a Christie’s admitiu já que no departamento dos velhos mestres este é o pior leilão desde 2002. Mas só sexta-feira, depois de concluídas as vendas desta quinta-feira e anunciados os resultados, se poderá analisar a quebra em toda a sua extensão.

Sugerir correcção
Comentar