O cante do Alentejo já é património mundial e UNESCO chamou-lhe "exemplar"

Cinco minutos foi o tempo necessário para a UNESCO aprovar, esta manhã em Paris, a inscrição do cante alentejano na lista representativa do património cultural imaterial da humanidade. Paris ouviu os homens de Serpa.

Fotogaleria
Ensaio do Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias Nuno Ferreira Santos
Fotogaleria
Ensaio do Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias Nuno Ferreira Santos
Fotogaleria
Ensaio do Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento Nuno Ferreira Santos
Fotogaleria
Ensaio do Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento Nuno Ferreira Santos
Fotogaleria
Ensaio do Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento Nuno Ferreira Santos
Fotogaleria
Ensaio do Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento António Carrapato
Fotogaleria
Sede e taberna do Grupo Coral e Etnográfico Camponeses de Pias António Carrapato
Fotogaleria
Sede e taberna do Grupo Coral e Etnográfico Camponeses de Pias António Carrapato
Fotogaleria
Sede e taberna do Grupo Coral e Etnográfico Camponeses de Pias António Carrapato

A nomeação portuguesa foi considerada “exemplar” pelo órgão de avaliação da UNESCO – o chamado “corpo subsidiário” – cujos membros se declararam “unânimes sobre a qualidade desta candidatura”.

Portugal foi convidado a “intervir para partilhar a sua alegria” e 21 membros do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, todos homens, surgiram em palco nos seus trajos rurais, chapéus pretos e cajados, e cantaram , durante breves minutos, a canção Alentejo, Alentejo. Telemóveis e tablets despontaram um pouco por toda a grande sala da UNESCO, para registar o momento.

O cante é a terceira nomeação portuguesa a ser consagrada internacionalmente pela UNESCO, depois do fado em 2011, e da dieta mediterrânica em 2013 (uma candidatura apresentada em conjunto com Espanha, Marrocos, Itália, Grécia, Chipre e Croácia). A lista representativa do património cultural imaterial da humanidade existe desde 2008 e nesta reunião os delegados têm de analisar 46 candidaturas

“É de salientar a importância destas duas candidaturas, a do fado e esta”, disse ao PÚBLICO o cantor Vitorino, presente na sede da UNESCO, em Paris. “O fado é muito solitário e individual. O cante é uma expressão colectiva – ele implica entre 18 e 30 vozes. É inclusiva. É muito atenta ao movimento social.” O cantor, que tem inscrito o cante no seu trabalho musical, acredita que o reconhecimento do mesmo como património da humanidade “vai eternizá-lo”.

O vídeo da candidatura portuguesa que está no site da UNESCO

Para os responsáveis pela candidatura, a aprovação da UNESCO significa o culminar de 15 anos de trabalho. A representação portuguesa presente na sala da UNESCO abraçou-se emocionada e congratulou-se mutuamente no momento da decisão. O secretário de Estado da Cultura não veio a Paris – em sua representação esteve Ana Paula Amendoeira, directora regional de cultura do Alentejo – mas ligou poucos minutos depois para felicitar Paulo Lima, o director da Casa do Cante de Serpa e coordenador da candidatura.

A delegação portuguesa estava bastante optimista relativamente à decisão da UNESCO. Ainda assim, como disse Paulo Lima ao PÚBLICO depois de ouvir o anúncio na sala da UNESCO, “uma coisa é imaginar, outra coisa é acontecer. E aconteceu”. “Isto é a súmula do amor que no Alentejo existe pelo cante”, concluiu o antropólogo.

Na sua intervenção, o comité intergovernamental da UNESCO notou, de forma positiva, que os membros da comunidade e os grupos que praticam o cante coral alentejano estiveram envolvidos na candidatura. E salientou ainda que este canto "feito para aproximar as pessoas" reflecte muitos dos valores que regem este órgão das Nações Unidas, sendo "uma referência de paz e serenidade", de "solidaridade e fraternidade".

Brasil emocionado

Chegou a pensar-se que a decisão da UNESCO poderia ser anunciada na quarta-feira à tarde, mas a discussão de algumas candidaturas mais problemáticas atrasou o processo e Portugal teve de esperar até quinta-feira de manhã pela sua vez. A avaliação é feita por ordem alfabética dos países candidatos, de A a Z.

O embaixador português em França, José Filipe Moraes Cabral, agradeceu a adopção da proposta, sublinhando que o cante alentejano é “um elemento identitário e de coesão social importante”, e anunciou o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, que viajou até Paris de autocarro para actuar brevemente na UNESCO.

Não houve quaisquer objecções à nomeação portuguesa, e só o Brasil – que viu a roda de capoeira integrar a mesma lista no dia anterior – pediu a palavra para felicitar brevemente a inclusão do cante. “Temos apreço pela nossa herança portuguesa e estamos tão emocionados quanto os portugueses”, disse a delegada brasileira.

Eram 11h17 em Paris (10h17 em Portugal) quando a inscrição do cante alentejano na lista do património cultural imaterial foi aprovada e formalizada – depois de nove outras candidaturas.

A candidatura do cante a património imaterial da UNESCO teve como promotores a Câmara Municipal de Serpa e a Entidade Regional de Turismo/ Agência de Promoção do Alentejo. Independentemente da decisão que fosse tomada pela UNESCO, a candidatura criou uma dinâmica regional e local que trouxe uma vitalidade ao cante, com o aparecimento de novos grupos, muitos deles compostos por jovens, e uma visibilidade mediática inédita. Existem actualmente mais de 150 grupos de cante no Alentejo.

O património imaterial é uma designação que abrange tradições, conhecimentos, práticas e representações que constituem a matriz identitária de uma comunidade ou grupo e asseguram a diversidade cultural dos países num contexto de crescente globalização. Ela inclui tradições e expressões orais, artes performativas, rituais sociais e festas ou práticas artesanais. Este ano, além do cante alentejano e da capoeira, também a tradição da sauna na Estónia e o fabrico artesanal de papel tradicional japonês, entre outros, foram seleccionados pela UNESCO.

Nestes dias, o ambiente no interior da sede desta organização internacional é sui generis. Aborígenes africanos e índios venezuelanos com toucados de penas cruzam-se com homens de fato e gravata nos corredores. “Aqui na UNESCO a gente não vê loiros, já reparou?”, nota Vitorino. “É uma reserva de culturas do mundo. Isso é muito interessante. É como uma reserva de vinho.”

Sugerir correcção
Ler 32 comentários