Nova ministra da Cultura é uma incógnita

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Licenciada em ciências sociais e políticas, Maria João Bustorff deu aulas de sociologia na Universidade Nova de Lisboa e passou por vários ministérios Marcelo Sayo/Lusa

A escolha da nova ministra da Cultura, Maria João Bustorff, surpreendeu as figuras do meio cultural ouvidas pelo PÚBLICO. Não lhe conhecem ideias ou intervenções em áreas da cultura, para além da Fundação Ricardo Espírito Santo, de artes decorativas, que dirige há 15 anos, de forma em geral elogiada.

"Não estava à espera, achei graça", diz Simonetta Luz Afonso, presidente do Instituto Camões, ex-directora do Instituto Português de Museus. "Conheço-a desde 1990 ou 1991. Viabilizou a fundação, que estava deficitária, e internacionalizou-a, encontrando um mercado novo, o Brasil. É uma pessoa com capacidades de gestão, inteligente, culta." Do resto, não sabe: "Não lhe conheço intervenção noutras áreas. Presumo que se saberá rodear de pessoas que saibam. Quando foi para a fundação também não sabia da área." Bustorff é uma próxima de Santana Lopes? "Sim, são figuras próximas", diz Simonetta. "Têm uma boa relação há muitos anos, da altura em que ele era secretário de Estado da Cultura [1990-94]."

O historiador e cronista Vasco Pulido Valente acha "muito estranho" que se tenha escolhido "uma pessoa inteiramente desconhecida": "Não conheço, como toda a gente neste país, por isso não tenho opinião."

"Desconheço em absoluto as ideias de Maria João Bustorff sobre política cultural", diz o socialista Augusto Santos Silva. Quando era ministro da Cultura, reuniu-se algumas vezes com Bustorff e ressalva que "a fundação tem um trabalho muito bom no restauro, conservação e formação, em Portugal, no Brasil e noutros países".

Mas lamenta que a escolha não revele "uma aposta clara" na Cultura: "Se a mensagem fosse essa, iam buscar uma figura com peso político e força no meio cultural. Temo que a cultura continue a ser a última prioridade do governo PSD." No entanto, "é um elemento positivo a pasta da Cultura não ter sido entregue ao CDS/PP" neste governo: "As hipóteses que se estavam a colocar, como Teresa Caeiro, pareciam-me piores. Se conheço pouco o pensamento político sobre cultura no PSD, ainda menos no CDS. E o que conheço, é tudo menos democrático e moderno." Congratula-se ainda por "não ser desta vez que a Cultura fica entregue àqueles 'bulldozers' que querem acabar com o financiamento à criação artística" - e nomeia Vasco Graça Moura.

Autor do programa do PSD para a Cultura, Graça Moura elogia "o trabalho notável" de Bustorff à frente da Fundação Ricardo Espírito Santo, mas também se diz "surpreendido" com a nomeação. "No elenco de nomes que podia surgir não tinha pensado em Maria João Bustorff." E considera não ter "elementos que permitam qualificar a escolha".

Afirma, contudo, que "o desempenho" é que será decisivo. "É uma aposta. Apesar de tudo, não é uma pessoa inexperiente na área, é presidente de uma fundação importante, tem traquejo ligado ao património, provavelmente ao mecenato."

Eduardo Prado Coelho conhece Bustorff das reuniões como membros do Conselho Directivo do Centro Cultural de Belém. "Parece-me uma pessoa com desenvoltura, conhecimento das coisas, sentido prático da realidade. Mas penso que está extremamente voltada para o património e não tenho a menor indicação sobre o que possa fazer noutras áreas. É uma incógnita total saber se é sensível ou não à complexidade dos problemas."

Este ensaísta e professor admite que a ministra confirme "aquilo que é a sua imagem pública pelo trabalho feito na fundação", mas sublinha que nunca leu "um texto, uma intervenção" que o levasse a pensar que Bustorff poderia assumir esta pasta. "Mesmo nas reuniões do CCB, nunca me pareceu ir além de aspectos de ordem técnica." Prado Coelho salienta que "é decisiva a questão do secretário de Estado", que até aqui tinha "áreas extremamente sensíveis".

João Fernandes, director do Museu de Serralves, aguarda para ver. "Não a conheço, tenho ideia de um trabalho de qualidade da fundação. A minha reacção é de curiosidade sobre as ideias e as práticas."

O cineasta João Mário Grilo encara Bustorff como "uma pessoa atenta ao património". Nesse sentido, "é bem-vindo à cultura alguém que tenha contacto com agentes culturais". De resto, não se pronuncia. "Importante é ela pronunciar-se sobre a cultura. Há muita coisa maltratada pelo anterior governo, muitos disparates." Especificamente na sua área: "A actividade criativa do cinema tem regredido brutalmente nos últimos dez anos. E a culpa é dos políticos. Importa perceber que a função do ministro da Cultura não é apenas gerir politicamente a situação, mas entender que a situação faz cultura." Uma pessoa "com atenção ao património está em condições de perceber que o património do futuro depende do que se fizer no presente", conclui.

De onde vem Bustorff

Situada em Alfama, Lisboa, a fundação até aqui gerida pela nova ministra foi criada em 1953 pelo banqueiro e coleccionador Ricardo do Espírito Santo Silva, avô materno de Maria João Bustorff. Tem o museu com as doações do fundador, duas escolas, o Instituto de Arte e Ofícios e a Escola Superior de Arte Decorativas, e quase 20 oficinas. Faz restauro em talha dourada, mobiliário, azulejo, encadernação e tapetes de arraiolos - tendo campanhas no Brasil -, mas é particularmente aprecidada pelas excelentes cópias de mobiliário histórico.

Licenciada em ciências sociais e políticas, Maria João Bustorff deu aulas de sociologia na Universidade Nova de Lisboa e passou por vários ministérios. Foi o Ministério da Educação que a destacou em 1987 para o conselho directivo da Fundação Ricardo Espírito Santo, como representante da família. Casada duas vezes, a última das quais com o escritor António Lobo Antunes, de quem está separada, tem dois filhos.

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