D’Bandada e as enchentes para ouvir música portuguesa

A 5ª edição do festival Nos em D'Bandada voltou a encher, este sábado, ruas, praças e espaços do Porto, muitas vezes além do limite. O Coliseu rendeu-se ao fado e a Praça dos Poveiros entupiu graças a Sam The Kid ou Valete.

Fotogaleria
Tó Trips no café Ceuta Paulo Pimenta
Fotogaleria
Festa nas ruas do Porto, naquele que muitos apelidam de São João da música Paulo Pimenta
Fotogaleria
Jorge Palma no interior de um eléctrico, no palco móvel do festival Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta

Dezenas de pessoas corriam atrás do eléctrico 203, em direcção à Batalha. Iam de telemóvel em riste, qual magote de paparazzi. Havia uns quantos atropelamentos, mas nada de grave. Pelo menos nada que as impedisse de fazer uma breve paragem a meio do caminho para tirar uma selfie.

Mas o rosto que queriam mesmo apanhar era o de Jorge Palma, a razão de todo o rebuliço. Era ele quem tocava no interior de um eléctrico, no palco móvel do evento NOS em D’Bandada, rodeado de fãs que cantavam em andamento canções como Bairro do amor ou Essa miúda. E não havia outra hipótese senão ver o concerto do exterior, já que no eléctrico só entravam dez pessoas por trajecto, as primeiras a chegar à fila.

Eram 16h15 deste sábado, havia balões a decorar a cidade e o acontecimento já ocupava em peso, pela quinta vez, as ruas da Baixa do Porto, naquela que a organização apelidou de “maior edição de sempre”, com 78 concertos em 20 palcos, de entrada livre, das 14h às 04h, ou seja, 14 horas seguidas de música portuguesa.

A festa arrancou num novo palco, o Jardim do Passeio dos Clérigos, com um programa dedicado a crianças. E o caos e os concertos superlotados, um dos cenários que acabariam por marcar o festival, começaram com Jorge Palma, que actuou por duas vezes.

Entre os concertos de Jorge Palma, Tó Trips tocou no café Ceuta, coadjuvado pelo baterista João Doce (dos WrayGunn). Numa sala a rebentar pelas costuras e com muita gente lá fora, o músico dos Dead Combo apresentou canções do último disco a solo, Guitarra Makaka, mais uma prova de como é um guitarrista e compositor notável.

Acordes crus e graves, música inquietante por vezes com reflexos solares, através de plissados de guitarra banhados em África e no Mediterrâneo. A bateria participa em jogos rítmicos com a guitarra e acrescenta-lhe uma dimensão ritualista. A sua música fica bem no Ceuta, um dos cafés mais antigos da cidade, mas não deixa de ser um erro de programação colocar um nome com esta dimensão num espaço tão pequeno.

Mais respirável estava o ambiente para ouvir as Pega Monstro, no Maus Hábitos, do outro lado da Baixa, com o músico B Fachada em êxtase entre o público. Ouvir ao vivo as canções de Alfarroba, o novo disco das irmãs Maria e Júlia Reis, é ter a certeza de que o indie-rock português dos últimos anos mudou com elas.

Há na sua música tensão, franqueza, ansiedade geracional, emoções trituradas em guitarra de sujidade fuzz, momentos purgativos de dream-punk e noise-pop que desaguam em riffs portentosos e uma baterista com energia e precisão de karateca. E em preciosidades como Amêndoa Amarga e Estrada, temas com três canções lá dentro, manobras estruturais que deixariam os Sonic Youth com um sorriso na cara. Não as percamos de vista, nunca.

Concertos de acesso impossível

Depois o Maus Hábitos recebeu o tribalismo assombrado de Filho da Mãe e Ricardo Martins (Lobster, Cangarra, Papaya), guitarrista e baterista exímios, agora juntos num projecto a dois, a moldar, colar e descolar ritmos e texturas entre a luz e a sombra. Vale a pena estar atento à chegada do disco, em Dezembro, editado pela Revolve.

A meio do concerto ainda havia uma fila enorme ao longo dos quatro andares de escadas, até à porta. A partir daí as enchentes tornaram-se cada vez mais frequentes e algumas delas difíceis de suportar.

Foi impossível entrar no Plano B para ver Modernos ou no Maus Hábitos para B Fachada. Passou-se a custo pela obstruída avenida dos Aliados durante o concerto de Miguel Araújo, e a Praça dos Poveiros, a arena de hip-hop, bem como as artérias adjacentes, ficaram entupidas durante os concertos de Sam The Kid, com Mundo Segundo, e Valete.

Os mais destemidos punham-se em cima de contentores de reciclagem, de carros, de uma grua e de outros suportes. Não dava para avistar os rappers e ao longe parecia que se estava a ouvir rádio. Muitos empurrões, muitas pessoas a tentar circular. Muitas queixas e desistências. Um sintoma da falta de programação de concertos de hip-hop no Porto, o que é incompreensível, dada a quantidade de público que segue o género.

O Nos em D’Bandada é um modelo consolidado, com grande adesão popular (a organização não avançou números, mas o ano passado contabilizaram-se 250 mil pessoas). É uma espécie de festival-passeio (chamam-lhe o São João da música) que convida à descoberta de locais da cidade e de novos nomes da música portuguesa, muitos deles recomendáveis.

Mas as enchentes, o entra-e-sai, e o consumo rápido dos concertos não permitem, na maioria das vezes, disfrutá-los e perceber na plenitude as bandas. Uma filosofia de aceleração e fragmentação cada vez mais presente em festivais, ganhando terreno em relação aos concertos de sala.

Mas também houve pontos positivos: além dos citados, viu-se um Coliseu comodamente cheio para ver duas senhoras do fado, Aldina Duarte e Carminho. E no pátio exterior da Igreja de Santo Ildefonso actuou Éme, cada vez melhor, num belíssimo cenário para as suas canções dulcíficas mas com a medida certa de desalento e atrito.

Por sua vez, Mr. Herbert Quain, ou seja Manuel Bogalheiro, pôs o Café au Lait a dançar com um house apolíneo e paisagista, e os Flamingos, no Passos Manuel, nova dupla composta por Coelho Radioactivo e Cão da Morte, que apesar de precisarem de afinar o formato ao vivo, prometem e muito com aquelas melodias de sensibilidade e imaginário raro.

Moullinex, Nuno Prata, Mirror People ou Branko foram alguns dos outros nomes presentes nesta 5ª edição do Nos em D’Bandada.

 

Sugerir correcção
Comentar