No País das Maravilhas, sem a Alice de Lewis Carroll mas com a de Damon Albarn

Musical que actualiza o clássico de Lewis Carroll estreia-se no Manchester International Festival a 29 de Junho.

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Damon Albarn compôs a banda-sonora de wonder.land, musical criado a partir do clássico de Lewis Carroll

Damon Albarn já foi feliz várias vezes no Manchester International Festival – logo no primeiro ano da bienal que pôs Manchester bem a bold no mapa da criação contemporânea e das (vamos usar a palavra proibida) indústrias criativas, 2007, passou de agitador por trás dos fantásticos Blur, dos fantásticos Gorillaz e das fantásticas aventuras Africa Express (sim, tudo o que ele faz é fantástico) a homem da ópera com Monkey: Journey to the West, reapropriação de uma lenda chinesa que o pôs a colaborar com o artista James Hewlett, o encenador Chen Shi-Zheng e um vasto e adequadamente multicultural elenco de actores, músicos e acrobatas.

Depois, em 2009, presença mais discreta, regressou para compor a banda-sonora de It Felt Like A Kiss, o blockbuster dessa segunda edição do festival: entre o teatro, o cinema e a feira de diversões, o espectáculo de Adam Curtis e Felix Barrett centrava-se na entronização da América como potência dominante nos anos 1960 e a música de Damon Albarn era uma “visceral” viagem no tempo. E ainda houve 2011, o ano em que se juntou ao mesmo Rufus Norris de que voltaremos a falar daqui a algumas linhas para a operação Dr. Dee, a sua carta de amor à Velha Inglaterra (com acompanhamento ao vivo pela Filarmónica da BBC).

Parece impossível que a parada continue a subir (e depois há o aforismo de Cesare Pavese: nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz), mas Damon Albarn está de volta ao Manchester International Festival, e logo para criar de raiz uma adaptação do prodigioso clássico de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, exactamente 150 anos depois do seu aparecimento. Parece bem acompanhado: tem com ele Moira Bufini, a autora da icónica BD Tamara Drewe (que Stephen Frears transformou num filme homónimo em 2010) e o mesmo Rufus Norris que entretanto foi nomeado director do National Theatre, respectivamente no libreto e na encenação.

Em Manchester, de 29 de Junho a 12 de Julho, Alice no País das Maravilhas transforma-se em wonder.land, um musical que transporta a heroína de Carroll para a era digital e transforma o país das maravilhas do título no videojogo libertador em que o dia-a-dia de incompreensão e bullying tão típico da adolescência contemporânea se dissolve como um pesadelo na manhã seguinte – e a vida pode finalmente seguir (ainda que apenas on-line, na realidade virtual) como se nunca nada disso tivesse acontecido. Damon, que ao contrário de Moira Buffini, achava Alice “muito perturbadora quando era pequeno”, como se lê num depoimento que a libretista deu ao Guardian, terá recorrido à sua experiência como pai de filha adolescente para se aproximar dos códigos de conduta da Alice de wonder.land. Parece a fórmula infalível para que esteja encontrado o espectáculo do ano, mas também foi isso que pensámos quando Tim Burton pôs as suas mãos-de-tesoura em cima de Alice. Seja como for, é de anotar as datas: depois de Manchester, wonder.land aterrará no National Theatre, em Londres, de 27 de Novembro a 31 de Janeiro; ainda em 2016, fará uma carreira no Théâtre du Châtelet, em Paris. Até lá, e já a 17 de Julho, teremos sempre o Super Bock, Super Rock, onde Damon Albarn será o rapaz da frente no concerto dos regressados (e também bastante fantásticos) Blur do (também bastante fantástico) The Magic Whip.

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