No Amplifest o ruído é catarse

Ben Frost, Swans, Peter Brötzmann, Marissa Nadler, Yob. O primeiro dia da quarta edição do Amplifest, sábado, foi de todos eles. O festival continua este domingo, com ruído, peso e emoções em estado bruto nas doses certas.

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Marissa Nadler Maria Louceiro
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Swans Maria Louceiro
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Ben Frost Maria Louceiro
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Ben Frost Maria Louceiro

Não há muitos dias assim. Em algumas horas vimos uns portentos do doom metal chamados Yob; vibrámos com o saxofone endiabrado e vertiginoso de Peter Brötzmann, lenda viva do free jazz; deixámo-nos recolher pela solenidade fúnebre de Marissa Nadler; fomos varridos pelo barbarismo telúrico dos Swans e até abanámos a anca com o seu eterno líder, Michael Gira; confirmámos que Ben Frost está melhor do que nunca, com um espectáculo imersivo de electrónica brutalista que não é deste mundo e nos atira para fora dele.

Um resumo possível de sábado, o primeiro dia da muito concorrida (por portugueses e estrangeiros) quarta edição do Amplifest, festival da promotora portuense Amplificasom que ocupa o Hard Club durante este fim-de-semana. Um dia de concertos superlativos num alinhamento particularmente bem conseguido, coeso e sem gorduras, que cristaliza a filosofia do Amplifest: música desafiante que filtra as neuroses e o negrume dos tempos que correm sem se filiar a um só estilo; ruído versátil de embate físico e psicológico. Não há muitos festivais assim.

O arranque ficou a cargo dos Yob, trio americano de doom metal cujos riffs catedralescos tanto provocaram tremores de terra como estados de ascese numa sala quase cheia logo às 16h00. Seguiu-se Peter Brötzmann, acompanhado na bateria por Steve Noble, a provar por que é ainda, aos 73 anos, um dos nomes mais relevantes do free jazz: há pouca música libertária e alucinante como esta, capaz de extrair o que há de mais belo e excitante na dissonância e no ruído (e não faltavam corpos em transe entre o público, a tentar perceber que energia era aquela).

O desaceleramento foi feito com Marissa Nadler (em estreia nacional) e as suas canções de folk sombrio e melífluo, grande parte delas retiradas do seu mais recente e melhor disco, July, repleto de crónicas sobre amores falhados e outros tormentos, música confessional e purificadora. Ouvimos canções como Dead City Emily, Firecrackers ou Was It A Dream e, apesar do evidente nervosismo de Nadler, a sua voz, peça central no álbum, ganhou um tom ainda mais solene e fantasmagórico ao vivo, suportada pelo violoncelo e pelos sintetizadores atmosféricos de Janel Leppin.

Depois dos Pallbearer, os Swans deram um concerto de duas horas e meia em que apresentaram algum material nunca gravado. Já há poucos vestígios da irascibilidade indomável de Filth ou Cop, mas, em compensação, temos um Michael Gira mais espirituoso (até espalhou a palavra “love” na despedida). Houve marchas cerimoniosas da orquestra Swans com muita percussão primitiva e arfante a lembrar sessões de vudu, com Gira em danças e cantares ritualescos, e canções com groove roliço (nunca pensámos dizer isto dos Swans) e a tresandar a sexo, como se ouve no novo disco, To Be Kind. Mas descansemos: não faltaram os batalhões de guitarras contundentes e de ruído em alvoroço, coreografados ao detalhe para fazer saltar os músculos.

Pharmakon expurgou demónios com o seu noise gangrenoso, mas sem metade da visceralidade que tem em disco. Pelas 00h30, Ben Frost dava início a um concerto (ou distopia?) avassalador de electrónica punitiva e crepuscular, numa reinterpretação ao vivo do seu último disco, Aurora. O músico desconfigura e rasga a música de dança para a afundar em distorção dilacerante mas com propulsão rítmica – não foi por acaso que Thor Harris, percussionista dos Swans e um dos bateristas que participa em Aurora, se juntou a ele em palco.

Fomos dormir de ouvidos doridos, mas felizes. Este domingo o Amplifest continua com concertos de Wovenhand, Conan e Cult of Luna, entre outros.

 

 

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