Nem o Estado nem a Gulbenkian conseguiram comprar O Almoço do Trolha

A Direcção-Geral do Património não conseguiu reunir verbas e, no leilão, a Fundação Gulbenkian não cobriu os 350 mil euros que deram a um comprador anónimo a importante pintura de Júlio Pomar.

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Pedro Elias
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O Estado não conseguiu garantir que o seu interesse na pintura O Almoço do Trolha, de Júlio Pomar, se traduzisse na sua aquisição no leilão de quarta-feira à noite em Lisboa no qual a obra foi vendida a um comprador não identificado por 350 mil euros. “Lamentavelmente, não foi possível reunir, em tempo útil, o montante para a sua aquisição”, disse a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) ao PÚBLICO. A Fundação Calouste Gulbenkian licitou também a pintura mas não atingindo o valor final de compra “encerrou-se o processo”, explica Isabel Carlos, directora do Centro de Arte Moderna (CAM) da Gulbenkian.

A venda durante o leilão na Palácio do Correio Velho deixa em aberto qual o destino da obra. O processo de classificação em curso da obra-chave do neo-realismo português implica que esta não possa sair do país da obra sem autorização ou a sua venda no estrangeiro. Este processo de classificação é inédito em Portugal, sendo a primeira vez que tal importância em termos de protecção é dada a uma obra de um artista vivo.

Perto das 21h de quarta-feira, a sala da leiloeira estava cheia. Compradores habituais levantavam discretamente as suas raquetes para fazer ofertas e chegavam licitações por telefone ou Internet para outros lotes. Mas só quando chegou e se vendeu o lote 116, O Almoço do Trolha, é que a sala se agitou verdadeiramente. A licitação começou nos 300 mil euros e foi subindo de dez em dez mil euros até ser arrematado por um dos dois licitadores na sala – a Gulbenkian e o comprador da pintura que, no local, não quis prestar declarações ao PÚBLICO nem ser identificado.

A decisão de tentar comprar O Almoço do Trolha pertenceu “à directora do CAM em articulação com o conselho de administração” da Fundação Gulbenkian, que considerava importante ter “uma das obras-primas do neo-realismo português” num “diálogo muito interessante com os Portinari” que integram a colecção do CAM, explicou Isabel Carlos referindo-se à relação da obra de Pomar com a do artista neo-realista brasileiro. O CAM “tem Júlio Pomar muito bem representado” no seu acervo, com 61 obras, atentou ainda a directora do centro, que explicou que não há planos futuros de voltar tentar adquirir O Almoço do Trolha.

No leilão, com raquete na mão mas sem intervir, o sub-director geral do Património, Samuel Rego, não exerceu o direito de preferência na compra por parte do Estado. E remeteu mais esclarecimentos para quando fosse identificado o comprador da obra que muitos especialistas gostariam de ver no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado. Esta quinta-feira, o gabinete de comunicação da DGPC confirmou ao PÚBLICO que “a iniciativa da abertura do procedimento de classificação para o quadro O Almoço do Trolha, de Júlio Pomar, reflecte a preocupação da DGPC em proteger a obra, não permitindo a sua saída para fora do território nacional, de acordo com a Lei de Bases do Património Cultural”, acrescentando então que a direcção-geral não conseguiu reunir verba para garantir a sua compra.

Em Março, Nossa Senhora com o Menino Jesus e dois anjos, um "raríssimo" tríptico a óleo sobre madeira atribuído ao Mestre de Santa Clara e datado do século XV, foi comprado pelo Estado também num leilão muito disputado na Palácio do Correio Velho, com a obra a ser arrematada por 30 mil euros pela DGPC.

Questionada pelo PÚBLICO sobre o que pode ou pondera ainda fazer o Estado quanto a O Almoço do Trolha, a DGPC não respondeu. Mas detalhou que a pintura está “em vias de classificação”, processo aberto na semana passada, e que tal protecção legal implica que “o seu proprietário, seja ele quem for”, não poderá “vender a obra sem prévia comunicação” à direcção-geral do Património.

A venda de O Almoço do Trolha (1947-50) por 350 mil euros representou um recorde para Pomar, que tem nesta pintura a sua venda mais valiosa em leilão, mas também para a leiloeira – de acordo com a Lusa, O Serão, de Columbano Bordalo Pinheiro, fora arrematado em 2001 por 309 mil euros.  

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