Nem o direito de autor escapa à crise grega

A sabedoria dos gregos antigos pode ajudar a compreender e a exorcizar este fenómeno de civilização.

A crise estrutural que afecta o mundo e particularmente a Europa desde 2008 tem tido inevitáveis consequências no sector cultural e, de forma dramática, na gestão colectiva dos direitos de autor, situação de que a Grécia, sobretudo nas últimas semanas, tem sido um expressivo exemplo.

Não obstante a gravidade desta crise sobre a qual o essencial já foi dito, houve sectores da vida cultural grega, designadamente o teatral, que se mantiveram activos, apresentando novas produções marcadas por uma grande criatividade. Porém, quando chega a hora de cobrar direitos referentes à utilização de reportórios protegidos a situação agrava-se.

Numa mensagem agora enviada aos dirigentes das sociedades de gestão colectiva do direito de autor, Peter Xantopoulos, chefe executivo de longa data da Helenic Society for the Protection of Intelectual Property, reputado jurista e um dos mais antigos líderes de sociedades de autores a nível mundial, fez soar a campainha de alarme, sublinhando a preocupante situação da sociedade que dirige e do mercado cultural grego. É natural que assim aconteça. Quando diminui a capacidade financeira das populações, mesmo ao nível das despesas básicas que envolvem a alimentação, a saúde e a educação, é natural que o pagamento dos direitos referentes à utilização de obras protegidas se torne mais problemática e, em certos casos, praticante inviável.

“As tensas e prolongadas negociações entre o governo grego e as instituições europeias (Comissão Europeia, Banco Central Europeu) e também o FMI resultou num “congelamento” do mercado, que se agravou com a recessão económica” – escreve Peter Xantopoulos, conhecido no círculo das sociedades de autores europeias pela sua combatividade e elevada preparação em termos jurídicos quando se trata de defender os direitos dos criadores. Poliglota com apurado sentido de humor, Peter Xantopoulos não costuma deixar sem resposta as posições da Comissão Europeia e de outras entidades. Mas agora a crise bateu duramente à porta da sua sociedade e levou-o a fazer soar o toque de alarme. Na mesma carta acrescenta, com preocupação e veemência:

“Os bancos fecharam as portas e passou a haver um rígido controlo de capital desde 29 de Junho, não podendo ser efectuadas transacções. Como consequência directa, a nossa sociedade está a lutar, sem grande sucesso, para prosseguir a cobrança de direitos. Todas as movimentações financeiras internacionais ficaram suspensas, excepto as que envolvem a aquisição de produtos farmacêuticos”.

Peter Xantopoulos, durante décadas uma das vozes mais activas e respeitadas da gestão colectiva de direitos de autor, declara:

“Aguardamos ansiosamente a criação de condições financeiras que permitam a aplicação efectiva do último acordo entre os governo grego e as instituições europeias, de forma a que o mercado possa reentrar no seu funcionamento normal”. É esta a sua esperança, numa fase desta crise aguda que ninguém sabe ao certo como e quando terminará e quais as consequências que irá ter para o futuro da União Europeia e do projecto de paz, cooperação e diálogo que lhe está estruturalmente subjacente. “Iremos mantê-los informados dos desenvolvimentos e repercussões desta situação- conclui.

A verdade é que as estruturas europeias que congregam e mobilizam as sociedades de gestão colectiva, caso do Grupo Europeu de Sociedades de Autores /GESAC), cuja Direcção a Sociedade Portuguesa de Autores integra há três anos, deverá analisar com urgência esta situação, consciente dos efeitos desagregadores que a crise em curso irá ter no futuro da gestão colectiva e na estabilidade da vida cultural dos países cuja confiança recíproca está ameaçada. Basta pensar no modo como a Alemanha ou a Finlândia actualmente se posicionam para se perceber que dificilmente se poderá sair desta situação sem cicatrizes profundas e adicionais factores de preocupação e alarme. Quando a banca fica paralisada, as sociedades que funcionam solidariamente em rede só podem confessar e partilhar o seu estado de alarme. E é urgente que se encontrem novas soluções de cooperação e de mercado, que passam também pela convergência com outras sociedades no mesmo espaço linguístico. É isso que a SPA acaba de fazer em Luanda com a nova sociedade UNAC-SA e tenciona vir a fazer com outras sociedades no dinâmico espaço da lusofonia, de Timor Leste a Moçambique. Este é um dos caminhos e o futuro virá a confirmar a oportunidade e a justeza deste tipo de opções.

Quanto à Grécia, resta esperar que a esperança amarga de Peter Xantopulos venha a ter um positiva expressão material a curto ou médio prazo e que o povo grego possa recuperar a sua soberania e autonomia, em presença de uma Alemanha que em vez de se europeizar, como desejavam Thomas Mann ou, mais recentemente, Ulrich Beck decidiu germanizar a própria Europa, utilizando o poderoso argumento da sua superioridade financeira, reportório já tragicamente esgotado noutras épocas da nossa contemporaneidade. A sabedoria dos gregos antigos pode ajudar a compreender e a exorcizar este fenómeno de civilização.

 

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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