Nástio Mosquito: "Não nos podemos enganar: a arte move-se numa esfera política"

O mundo da arte chama por ele – recebeu um importante prémio há dias – mas ele não quer ter de escolher entre a arte e a música, porque ambas fazem parte da sua verdade. Quinta, em Lisboa, e sexta, na Maia, Nástio Mosquito apresenta-se ao vivo.

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Nástio Mosquito vive entre a Bélgica e Angola, com muitas passagens por Portugal

Há dias, em Kiev, capital da Ucrânia, recebeu o relevante Future Generation Art Prize, atribuído por um júri internacional e criado em 2009 pela Fundação Victor Pinchuk, que distingue artistas até aos 35 anos.

O artista e músico angolano Nástio Mosquito, a residir entre a Bélgica e Angola, com muitas passagens por Portugal, arrecadou o prémio com o colombiano Carlos Motta. Os dois dividirão cerca de 81 mil euros. 

Já esta quinta e sexta estará em Portugal – primeiro, no Espaço Espelho d’Água em Lisboa, pelas 22h e, depois, na Tertúlia Castelense, na Maia, pelas 23h – para duas sessões em torno do álbum Se Eu Fosse Angolano. Apesar de mais legitimado no circuito das artes plásticas (com mostras na Tate Modern de Londres, Bienal de São Paulo, Museu Berardo em Lisboa ou Tóquio e Nova Iorque) não pretende colocar de parte a música.

A sua opção não é separar. É congregar. Qualquer coisa que se vislumbra nos seus vídeos, nas suas performances ou na música, agregando formas tradicionais angolanas, da cultura globalizada ou do espaço transnacional onde se vai movendo.

Que significado adquire esta distinção para si?
Do ponto de vista pessoal é óptimo. Premeia a minha postura no mundo da arte. Motiva-me nesse sentido. Em termos profissionais é bom porque existe algum dinheiro e posso pensar na forma como vou estruturar projectos. A própria Fundação Pinchuk proporciona-me algumas oportunidades, com uma exposição a solo na Ucrânia e depois um evento em Veneza. Ou seja, é-me oferecida a oportunidade de desenvolver trabalho novo. E depois, claro, o facto de ser um prémio monetário atrai a atenção. Dá-me também alguma responsabilidade para continuar a produzir.

Falava do seu posicionamento na arte contemporânea. Considera que tem tido um percurso pouco convencional?
Não sou o único. Mas chegar a este nível de exposição, sem galeria, sem ninguém a desenvolver actividades de lobby – e digo-o sem qualquer sentido pejorativo – e estar localizado em Luanda nos últimos doze anos e daí viajar para todo o lugar, trabalhando com vídeo e música, é um percurso em diagonal. Ser aceite e levado a sério no mundo da arte oferece-me um posicionamento que sinto não ser muito usual. Tive que insistir muito e este reconhecimento surge em boa hora. É uma plataforma para comunicar a um número maior de pessoas.

Recusa o chavão do “artista africano”, mas nos últimos anos é inegável o interesse dos grandes centros da arte pelas periferias. Sente que beneficiou de alguma forma com isso?
Sim. Não tenho como negar. Não nos podemos enganar: a arte move-se numa esfera política. Essas coisas têm influência. Mas é preciso distinguir: uma coisa é a razão por que me premeiam e outra é o que eu faço com isso. É distinto. Desde que tenha alguma coisa para dizer ou propor, o que me interessa é essa possibilidade. As razões dos outros não se controlam. O que desejo é manter a minha integridade na relação de trabalho e se as oportunidades surgem eu agarro-as.

Movimenta-se no universo da arte contemporânea e da música popular. Por vezes sente-se que existe uma espécie de pressão para que tenha de escolher, como se em vez de acumular tivesse que subtrair. Como é isso vivido por si?
Pensei que não iria sentir essa pressão, mas quando me convidam para um festival de música ou de artes performativas acabo por distingui-los. Tenho sido influenciado por essa pressão. Acabo por colocar pressão desnecessária sobre mim próprio, resultante de expectativas alheias, até nas escolhas de com quem trabalho – com músicos ou sem eles – ou como apresento as coisas. E fui-me apercebendo que não pode ser.

O que pode fazer para se sentir confortável no seu papel, independentemente do contexto onde o desempenha?
Posso ser o mais verdadeiro possível. Quando digo que não sou músico, mas trabalho com música, ou que não sou realizador, mas trabalho com vídeo, as pessoas tendem a achar que me estou a armar. Mas não. Estou a ser sincero. Essa verdade dá-me tranquilidade para mostrar os meus projectos seja em que contexto for. Passei por momentos tortuosos quando me armei em músico. Não tenho pachorra para ensaiar oito horas para um espectáculo durante não sei quantos meses. Não é o meu formato. Foi importante adquirir essa consciência para maximizar o meu trabalho. O que vou levar a Lisboa e à Maia não tem músicos. É vídeo e sou eu em palco. Não sei se devo chamar-lhe concerto, mas não estou preocupado. Quero deixar para trás essa necessidade de definir as coisas. Quero apresentar uma boa experiência, numa noite em que vai ter som, palavra, espero que humor, e depois as pessoas chamem-lhe o que quiserem. Estou mais preparado para defender o meu trabalho. Não quero que ele se curve às expectativas.

Nos últimos anos tem viajado imenso. Que tipos de diferenças existiram na recepção à sua música, e ao seu álbum, em Portugal, em Angola e no resto do mundo?
Foi uma surpresa a recepção que o disco obteve em Portugal e de alguma forma em Angola também. A diferença é que em Angola não me convidaram para concertos ou eventos. Sempre que acabo uma apresentação sinto que existe uma boa vibração. Em Portugal e Angola as pessoas gostam dos textos, da palavra, mas não houve muita atenção à música que é aquilo que pode perdurar, porque espero que as interrogações das canções não sejam verdade daqui a alguns anos. Espero que Angola, Portugal, e o resto do mundo, progridam e que tenhamos outro tipo de dúvidas, mas o som pode perdurar. Tenho orgulho ao nível do trabalho sónico desenvolvido.

Fala das interrogações do mundo. Apesar da crise económica não se manifestar de forma equivalente em todos os ponto do globo, continua a subsistir uma grande desordem, do ponto de vista social e político, não lhe parece?
Sim. O processo ainda não terminou. O pânico ainda não assentou. O que vemos, em alguns lugares, é as pessoas a ficarem mais nacionalistas, mais bairristas, agarradas ao sentido da preservação. Há desorientação e descredibilização. Não conseguimos orientar-nos para a construção. Faltam vozes com sentido de direcção. Onde nos vamos estimular? Quem é que nos inspira? Quem é que nos está a comunicar alguma alternativa nas artes, na política, no pensamento? Continuamos secos. Mas ainda não é a hora de tirar conclusões. Teremos que viver todo esse ciclo até chegarmos a algum desfecho.

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