Não temos cá disto

O Pátio das Cantigas de Leonel Vieira é o primeiro de uma série de remakes e esta "actualização” do famoso filme de 1942 é confrangedora.

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Miguel Guilherme, o único actor que é possível imaginar a imitar António Silva e não se sair mal
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Eis uma novidade no cinema português: o remake. Fora o caso de filmes adaptados de obras literárias, onde o caso extremo são os quatro Amor de Perdição de Pallu, Lopes Ribeiro, Oliveira e Mário Barroso, não ocorrem precedentes.

Mas haverá, muito em breve, sequência: este Pátio das Cantigas

 "reloaded"

 inaugura uma série de três filmes que contempla ainda, sempre pela mão de Leonel Vieira, as “actualizações” de O Leão da Estrela (Arthur Duarte, 1947) e A Canção de Lisboa (Cottinelli Telmo, 1933).

Chegar ao remake destes títulos não deixa de ter uma certa lógica. Há décadas que no cinema português se tenta replicar a fórmula das comédias populares da dita “idade de ouro” dos anos 30 e 40 (que no fundo se reduz a uma meia-dúzia de filmes), por norma com resultados desastrosos.

O cinema português não produz uma comédia decente desde estes filmes, justamente, e não haveria muitos a acrescentar aos acima citados: O Pai Tirano (Lopes Ribeiro, 1941), O Costa do Castelo (Duarte, 1943), A Menina da Rádio (Duarte, 1944) e por certo que não muito mais. À entrada nos anos 50 a fórmula estava gasta, e mesmo um filme famoso como O Costa de África (João Mendes, 1954) já era uma coisa ressequida e desengraçada, e daí para a frente nada melhorou, bem pelo contrário. Voltar a estes filmes para lhes colher inspiração directa parece tão lógico como parece um gesto desesperado: ou vai ou racha.

Racha. Esta “actualização” de O Pátio das Cantigas, cuja versão original, estreada em 1942, teve como motor uma colaboração entre os irmãos Lopes Ribeiro (António produziu, Francisco, dito Ribeirinho, realizou, e ambos escreveram o argumento), é confrangedora.

Se o original era uma visão idealizada e tipificada da vida num bairro popular lisboeta que provavelmente já não existia, ou nunca existira, tal como o filme a mostrara, esta versão de 2015 tenta fazer uma espécie de quadratura do círculo: preservar isso, a mitologia do “castiço”, e introduzir-lhe toques de “realismo” contemporâneo.

Temos portanto muita televisão onde dantes havia apenas rádio, temos um condutor de tuk tuks, temos uma mercearia gourmet no lugar da antiga taberna do Evaristo, temos um grupo de turistas espanhóis que ora parecem gays ora não, temos uma família indiana a sinalizar o cosmopolitismo imigrante que não existia na Lisboa de 40.

Temos product placement a rodos: os patrocinadores do filme estão bem representados, dos CTT (a personagem de um carteiro) à RTP (a televisão que toda a gente vê, com o logo bem enquadrado), passando pela Sagres (aparentemente não há, naquele pátio, outra marca de cerveja). Até aqui tudo OK, ou mais ou menos. O pior, depois, é que cedo o filme – que preserva os traços gerais do argumento original e as suas múltiplas personagens e intrigas paralelas – se revela incapaz de lidar com tanta coisa, tanta personagem, tanto novelo na intriga. Sucedem-se as cenas frouxas, os efeitos cómicos tipo piscadela de olho, uma progressão narrativa cada vez mais desconjuntada e, a bem dizer, sem nenhum sentido de economia. E depois piora.

Até dois terços da sua duração O Pátio das Cantigas é só fraquinho mas, dentro do seu enorme limite, consistente. A partir de certa altura é o vale tudo a trouxe mouxe, até ao inenarrável (e quase aleatório) final, com todas as personagens num número musical em estilo Bollywood. Very typical. Podia ser irónico, mas não há no filme um único sinal de distância para aparecer a ironia. E os actores, sem os quais (sem gente como António Silva ou Vasco Santana) nunca teria havido “idade de ouro”?

Ninguém aqui – nem eles nem elas, aparentemente figuras conhecidas no universo da televisão e das capas de revistas – parece provido de alguma graça ou carisma especiais. Salvam-se Anabela Moreira e Rui Unas, e sobretudo Miguel Guilherme, o único actor que é possível imaginar a imitar António Silva e não se sair mal. Mas nem ele impede o desastre. Só há uma coisa positiva a dizer do filme, que revela inteligência por, obviamente, ser deliberada: nunca se ouve dizer a mais famosa tirada do original, “ò Evaristo, tens cá disto?”.

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