Não há teatro de ópera sem director artístico profissional

A situação do Teatro de São Carlos é emblemática da crise que afecta a produção cultural em Portugal. Esta crise tem causa próxima na imposição, pelo corrente governo, de uma agenda ideológica que, não reconhecendo a importância para a democracia de uma política pública de alargamento do acesso à cultura, reduziu um ministério a um secretário de Estado, e, a pretexto da contenção financeira, deu-lhe o orçamento percentualmente mais baixo dos países do ocidente europeu.

Fê-lo na ausência de uma visão integrada e sem qualquer esforço sério de racionalização dos meios já existentes, que libertasse recursos onde eles estão mal aplicados, para os aplicar na rentabilização de salas e orquestras. Fê-lo desconhecendo as realidades do sector, e por isso não só incumpriu contratos, lançou no desemprego inúmeros agentes artísticos e reduziu a oferta cultural, como praticamente paralisou a ópera.

Na verdade o Testro Nacional de São Carlos (TNSC) devia ser visto como parte de uma política músico-teatral mais vasta, que não existe. Mas é evidente que não há teatro de ópera sem director artístico profissional, e que um tal director requer condições de trabalho mínimas, que dificilmente podem existir se não houver um orçamento de produção que equivalha, ao menos, ao orçamento de um teatro de província em França ou na Alemanha.

A fasquia, na verdade, está tão baixa, que só nos sonhos mais mirabolantes podemos pensar em tornar o TNSC um palco que rivalize com os seus congéneres nas principais capitais europeias. Mas o Governo conseguiu frustrar mesmo esta fasquia periférica. Na impossibilidade de encontrar alguém competente que aceitasse um cargo de director artístico sem as correspondentes condições, lançou-se a operação "consultor artístico", que agora chega ao fim sem glória para os envolvidos, nem proveito de registo para o público.

Esta foi de facto uma tentativa da tutela de nos convencer de que o TNSC não fechou, e que existe ainda algum serviço público no domínio operático, agora "em versão de concerto" ou de zarzuela. É triste confrontar a prática governativa com o programa de governo apresentado aos eleitores na área da cultura: a única ideia, e promessa firme, aí assumida, era haver boa ópera. Não podemos negar que nos deram música...  

Crítico de música

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