Na nova temporada da Gulbenkian, não é sempre a mesma cantiga

“A Orquestra Gulbenkian não quer tornar-se numa orquestra pop”, diz o director do serviço de música daquela instituição. Não quer dizer que não possa tocar com Rufus Wainwright

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O cantor pop Rufus Wainwright é um dos destaques da nova programação Miguel Madeira

Pedro Costa, Rufus Wainwright, Cindy Sherman no papel de Maria Callas? A próxima temporada de música da Fundação Calouste Gulbenkian, de Setembro de 2015 a Maio de 2016, não é sempre a mesma cantiga.

Diversificar a oferta, abraçando universos musicais para além do clássico, encontrar outros públicos, apostar no futuro são as linhas orientadoras da nova programação, apresentada quinta-feira à tarde pelo director do serviço de música da Gulbenkian, o finlandês Risto Nieminem.

“A música é para todos. A música tem de estar aberta ao mundo que nos rodeia, contemporâneo, inovador e cosmopolita”, disse. Na próxima temporada os tradicionais recitais de canto e piano são praticamente inexistentes, à excepção da meio-soprano Joyce DiDonato, que regressará ao Grande Auditório da Gulbenkian a 22 de Maio de 2016, acompanhada pelo pianista David Zobel. Nieminem explicou ao PÚBLICO que a redução deste formato se deve ao facto de não “atrair grande público”. “Teremos grandes cantores, mas principalmente com orquestra.”

O cantor pop Rufus Wainwright é um dos destaques da nova programação. A 27 de Novembro, ele apresenta uma recriação da sua ópera Prima Donna, sobre o crepúsculo de uma soprano, composta em 2009 e inspirada em entrevistas de Maria Callas. Nesta nova versão, Wainwright interpreta excertos dessa obra, com a artista Cindy Sherman no papel de Maria Callas, e a projecção de um filme do artista italiano Francesco Vezzoli, conhecido pelas suas sátiras ao culto das celebridades. A Orquestra Gulbenkian é dirigida por Joana Carneiro neste “concerto visual e sinfónico”, como descreve o programa, em que Wainwright interpretará ainda versões orquestrais de alguns dos seus temas, clássicos da Broadway e excertos das suas óperas preferidas.

Outro dos destaques da programação – “um dos pontos altos do ciclo de música antiga”, segundo Risto Nieminem – é a colaboração entre o agrupamento Músicos do Tejo e o realizador Pedro Costa num espectáculo que combina música e cinema, a ser apresentado no Grande Auditório a 1 de Abril do próximo ano. Costa irá realizar um filme mudo que será apresentado nessa ocasião, em diálogo com obras de Vivaldi, as Variações Goldberg de Bach e outro reportório antigo. O cineasta tem trabalhado com os Músicos do Tejo na escolha do reportório que, segundo o director musical Marcos Magalhães, ainda não está finalizado. “Uma das coisas que ele tem dito é: ‘Não tens nada mais funesto?’”, contou ao PÚBLICO Marcos Magalhães, entre risos. O filme irá contar com Vitalina Varela, uma das intérpretes da última longa-metragem de Costa, Cavalo Dinheiro (2014), e deverá ter cerca de uma hora de duração.

A próxima temporada conta com vários espectáculos que combinam música com uma dimensão mais teatral ou multimédia. As Cantatas de Bach, por exemplo, serão apresentadas numa versão encenada, formato não habitual (19 de Novembro). Ópera ou teatro musical? “É uma questão de terminologia”, diz o director do serviço de música. A música clássica não tem de ser uma coisa rígida. “Hoje em dia os géneros estão misturados. Dança, música, teatro, vídeo.”

Além de Rufus Wainwright, a Orquestra Gulbenkian – e, nalguns casos, o Coro Gulbenkian –  vão acompanhar Rodrigo Leão, interpretar a banda sonora de O Senhor dos Anéis: A Irmandade do Anel (projecção do filme com música ao vivo no Grande Auditório em Janeiro), tocar com o pianista Mário Laginha numa digressão em Maio do próximo ano pelo Norte do país. “A Orquestra Gulbenkian não quer tornar-se numa orquestra pop. Tem que tocar o que sabe tocar melhor. Mas temos tido encontros muito felizes com músicos de outras áreas, como é o caso do angolano Waldemar Bastos ou do tunisino Anouar Brahem”, disse Risto Nieminem ao PÚBLICO. “Queremos que os nossos agrupamentos saiam mais do edifício da Gulbenkian e façam programas educativos, e mesmo projectos sociais.”

A próxima temporada contará com oito obras encomendadas pela Gulbenkian. Duas delas estão relacionadas com uma nova parceria entre a Gulbenkian e a Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo, que consiste na estreia alternada, em Portugal e no Brasil, de peças encomendadas a compositores brasileiros e portugueses. O brasileiro Aylton Escobar compôs a primeira obra desta nova iniciativa, uma peça coral e sinfónica inspirada no Livro do Desassossego de Pessoa, intitulada A Rua dos Douradores (29 e 30 de Outubro). O português Luís Tinoco está a compor uma obra “puramente orquestral, sem voz”, baptizada a partir de um verso do poeta brasileiro Manoel de Barros, O Sotaque Azul das Águas (25 e 26 de Fevereiro).

Nuno da Rocha está a compor uma peça que será apresentada a 8 e 9 de Outubro juntamente com Rachmaninov e A Sagração da Primavera de Stravinski. “Saber que vou estar ao lado da Sagração é mais ou menos como entrar num jogo de futebol a perder 10-0”, disse o jovem compositor na apresentação da temporada. Vasco Mendonça e o belga Daan Janssens escreveram duas peças novas para um espectáculo multimedia, Be With Me Now, co-produzido com o Festival Aix-en-Provence, uma “espécie de colagem” musical inspirada na Flauta Mágica de Mozart (10 de Novembro). José Júlio Lopes, Victor Gama e Jamie Man completam a lista de compositores que criaram peças novas para a temporada da Gulbenkian.

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