Museu Grão Vasco reabre com ouro, champanhe e rave

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Durão Barroso inaugura hoje o Museu Grão Vasco, que encerrou para obras há quatro anos João Abreu Miranda/Lusa

O primeiro-ministro Durão Barroso vai inaugurar hoje, às 16h, o Museu Grão Vasco, em Viseu, que encerrou para obras há quatro anos. É uma espécie de pré-inauguração, agendada à última da hora, porque a grande festa está marcada para amanhã, o Dia Internacional dos Museus, com dois mil convidados e champanhe no claustro ao meio-dia.

A festa terminará mais de doze horas depois com o DJ Zé Pedro Moura, do bar Lux-Frágil de Lisboa, a pôr música a partir das 23h. A "rave" será no claustro do museu e a directora, Dalila Rodrigues, não tem medo de ser criticada pela escolha do programa invulgar de inauguração para um museu de pintura antiga. O programa para os convidados começa às 11h da manhã, com a presença do ministro da Cultura Pedro Roseta.

Fazer um museu, para esta mulher de 43 anos com tese de doutoramento sobre a pintura portuguesa do século XVI e o pintor Grão Vasco, é pensar na colecção, mas também na comunidade que a instituição serve. O discurso de Dalila Rodrigues oscila rapidamente entre pormenores eruditos da biografia de Vasco Fernandes (o nome verdadeiro de Grão Vasco) e o "charme" da nova cafetaria-restaurante. "O restaurante vai ter cá fora, na parte coberta do claustro, uma esplanada com oito mesas e cadeiras. Estou muito confiante no ambiente intimista e de 'charme' que vai ter o restaurante. Em Viseu, há restaurantes com óptima comida mas com péssima iluminação. Onde é que se vai à noite com os amigos?" No piso 0, o restaurante estará aberto até às 24h, com candeeiros de Siza Vieira, loiça de Walter Gropius e copos com design finlandês.

Dalila Rodrigues, que se tornou directora dois meses depois do museu ter encerrado para obras, explica que as obras de arte antiga estarão ausentes do piso térreo. "Nada de colecções. É aqui que estarão um conjunto de serviços que é fundamental que o museu assegure à comunidade. Também não é indiferente criar alguma autonomia financeira, que nos pode dar alguma respiração, mas claro que não há auto-sustentação."

Para além do restaurante, haverá uma livraria com 1300 títulos, numa parceria com a Livraria Leitura do Porto, a loja do museu, a biblioteca, um auditório para conferência e a sala de exposições temporárias.

Público espanhol

A exposição temporária que vai inaugurar o museu, dedicada ao pintor Fernando Gallego, veio do outro lado da fronteira. É a troca pelo Grão Vasco ter sido uma das exposições de Salamanca 2002 - Capital Europeia da Cultura. Serão 35 grandes pinturas e a primeira vez que o pintor renascentista é tema de uma exposição, mesmo em Espanha. O comissário é José Ramón Nieto, da Universidade de Salamanca. "Gallego é o grande pintor de Salamanca. Esteve activo entre 1445-1507, é um bocadinho mais velho do que o Grão Vasco, mas considerando o atraso artístico..."

A estratégia é pensar nos públicos que estão mais próximos e Salamanca é 50 quilómetros mais perto do que Lisboa. "Há uma dimensão de interioridade que nos leva a querer fazer 'links' para além da fronteira, mais do que para o litoral. Fazer 'links' para conquistar novos públicos em Salamanca e Zamora."

É preciso subir até ao último piso para chegar ao tema do museu - a pintura de Grão Vasco. São quadros fáceis de identificar, porque as molduras têm um novo brilho - foram todas recobertas a ouro, mesmo as emprestadas só para a reabertura.

São 24 painéis: 14 do retábulo da sé de Viseu, mais cinco do retábulo de S. Pedro, um da "Última Ceia", outro da "Assunção da Virgem", duas santas do Museu Soares dos Reis, um "Calvário" da colecção Alpoim Calvão. Já os quadros dos colaboradores, como os nove feitos "seguramente" por Gaspar Vaz, não foram redourados. Seguem-se os contemporâneos, na sua maioria mestres de Lisboa, como Gregório Lopes, Cristóvão de Figueiredo e Garcia Fernandes.

Espaço para ver a pintura

Para se poder remontar tal e qual o retábulo da Sé de Viseu, o tecto do último piso cresceu 1,2 metros. Os 14 painéis estarão em duas filas sobrepostas, entre os quais o famoso painel da "Adoração dos Magos", que tem a primeira representação de um índio na arte ocidental (é o rei Baltazar).

Do outro lado, ao fundo, mesmo muito ao fundo, estará o ex-líbris do museu, o "S. Pedro". Suspenso no meio da sala, por uma estrutura a 70 centímetros do chão, dá a possibilidade de se ver o reverso da pintura. "S. Sebastião" também teve o mesmo tratamento.

Com esta montagem, a directora do museu procurou que o espectador tivesse um ponto de vista semelhante ao usufruído na igreja, quando a pintura não era uma simples obra de arte mas tinha um valor idolátrico.

"É preciso ter profundidade para ver a pintura", diz Dalila Rodrigues, desta vez dentro da sé, um edifício colado ao museu, tentando explicar o que procurou conseguir com a museografia, feita em conjunto com o arquitecto Eduardo Souto Moura.

"O 'S. Pedro' estava naquela capela da sé. Não podemos pegar na pintura e alinhá-la ao longo da parede, temos que revalorizá-la à luz das questões que se puseram ao próprio artista no espaço arquitectónico", acrescentando a directora que não se trata de recriar ambientes, uma coisa que lhe parece um pouco patética, mas pensar a pintura à luz do processo de descontextualização que ela sofreu. "A estrutura figurativa tinha em conta a visão deformada do espectador, que via a pintura de outros ângulos. A luz e os valores cromáticos tinham necessidade de contrariar a penumbra."

Cá fora, Dalila Rodrigues lembra que o Museu Grão Vasco tinha um ar "very tipical": janelas de guilhotina, verdes e brancas, com sardinheiras. "Agora é tudo com caixilharia que Souto Moura usou na Pousada de Santa Maria do Bouro. Assim, a estabilidade é garantida. É como se Souto Moura não tivesse passado por aqui. Queria tudo menos dar protagonismo à arquitectura."

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