Museu do Chiado esteve ocupado toda a noite contra a situação actual na Cultura

Inauguração de exposição do artista Rui Mourão transformou-se num protesto. Director do museu fala em quebra de confiança e polícia foi chamada esta manhã.

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O director do museu garante que o protesto não afectou a exposição em curso Gonçalo Santos

Aquilo que devia ser uma performance artística acabou por tornar-se numa acção de protesto. Esta sexta-feira à noite, cerca de 40 pessoas ocuparam o Museu de Arte Contemporânea – Museu do Chiado (MNAC), em Lisboa, para surpresa da direcção do instituição, num protesto que alertava para a situação actual que o sector cultural atravessa. Este sábado, o museu está a funcionar normalmente depois de os últimos manifestantes terem abandonado o local cerca das 10h e de as autoridades terem sido chamadas.

Foi na inauguração da instalação multimédia Os Nossos Sonhos Não Cabem nas Vossas Urnas, de Rui Mourão, que tudo aconteceu. Ao PÚBLICO, David Santos, director do Museu do Chiado, explicou na manhã deste sábado que estava avisado de que haveria uma performance durante a inauguração mas o artista, cuja instalação “é de arrojo político”, nunca mencionou uma ocupação.

“Para nossa surpresa essa performance tornou-se numa ocupação não simbólica e por isso quando percebi que não era apenas uma simulação tentei o diálogo com o grupo que reivindicava uma nova ideia para a Cultura”, diz David Santos.
Rui Mourão, cuja obra agora exposta no MNAC aborda exactamente os vários protestos recentes no país – um dos exemplos citados remonta a 5 de Outubro de 2012, quando, em plena celebração oficial da implantação da República, no Pátio da Galé, em Lisboa, a cantora lírica Ana Maria Pinto interrompeu a sessão para interpretar Acordai, de Fernando Lopes-Graça – anunciou a ocupação no Facebook, garantindo não se tratar de “teatro nem encenação”.

“Estamos aqui em ocupação 'artivista' do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado. Estamos a ocupar o museu em defesa do museu e não contra o museu”, escreveu o artista, apelando à participação de todos. “Politicamente, enquanto público e enquanto criadores de Cultura, estamos verdadeiramente indignados – muito indignados, mesmo – com a desvalorização a que estão votados os museus, as bibliotecas, os arquivos, o teatro, o cinema, a dança, a ópera, as artes visuais, o património cultural deste país e a sua criação contemporânea.”

Segundo a Lusa, Rui Mourão exigiu “mais dinheiro para a área cultural, artística e patrimonial”. Organizou ainda no museu uma assembleia e no final desta pretendia apresentar as conclusões “a um ministro da Cultura”, “um responsável máximo que defenda os interesses do sector cultural de igual para igual, em Conselho de Ministros”.

Desta assembleia resultou um documento em que é exigida a reposição das entradas gratuitas todos os domingos nos museus e a redução dos preços dos bilhetes de entrada nos mesmos. "Não foi pedido mais dinheiro para os artistas", diz ao PÚBLICO Rui Mourão, que faz um balanço positivo da acção. "Embora não tenhamos conseguido ainda os nossos objectivos, foi uma grande performance mas infelizmente o sistema está de tal forma construído que não se pode ser disruptor sem prejudicar ninguém", continua Rui Mourão. "Não se pode fazer uma revolução sem causar incómodos."

David Santos, que inicialmente desvalorizou a acção, escusa-se a comentar as ideias defendidas no protesto, lamentando a decisão de Rui Mourão de avançar com esta ocupação “pacífica mais activa”, como defendeu o artista. “Da nossa parte, o Rui Mourão teve toda a transparência e mesmo assim decidiu surpreender-nos com este acto, quebrou-se obviamente a confiança”, explica David Santos. “Quem fica com o ónus negativo no meio disto é o Rui Mourão.”

No Facebook, Mourão explica porque não informou o museu da sua intenção: “Um dos elementos de sucesso das performances artivistas é o uso do inesperado. Sem inesperado, não há performance 'artivista', porque é o inesperado que espoleta impacto, intensidade emotiva. Precisamente por esse motivo, até que a ocupação efectiva dos corpos se instalasse no museu, eu nada podia revelar na instituição”.

“Note-se que se fizesse um aviso prévio, das duas uma: ou a performance não era permitida, e tudo morria antes de nascer, ou era autorizada mas aí já não era disruptora, não tinha força”, escreve ainda o artista. Ao PÚBLICO, Rui Mourão insiste que não poderia ter alertado ninguém do museu para o que ia acontecer. "É verdade que não foi espontâneo, estava tudo preparado mas foi para os proteger que não so avisei. Mas também é muito interessante, afinal que tipo de arte querem ter no museu? Uma arte política mas disciplinada?", questiona-se o artista, garatindo que nunca quis prejudicar ninguém. "A arte tem de ter lugar para o inesperado, como artista criei as condições, abri aquele espaço, para que aquilo acontecesse", acrescenta ainda, explicando que o objectivo da ocupação foi mostrar como "a arte pode ser usada para veincular política".

O director do museu recusa-se a comentar a acção ou a ver performance artística no que ali aconteceu. “Foi um protesto a sério para o qual não fomos avisados. Eu dou a minha interpretação e o Rui dá a sua”, argumenta o David Santos, garantindo que o episódio não afectará a exposição.

“No museu defendemos um programa de liberdade crítica, o trabalho vale por si”, acrescenta o director, revelando que os manifestantes, muitos dos quais munidos de sacos-cama e preparados para passar a noite no museu, foram abandonando as instalações com o passar do tempo. “Acabámos por permitir que aqueles que estavam no interior do museu pudessem ficar mas mais ninguém entrava. De manhã já só estavam cerca de 20 pessoas.”

Por volta das 9h30, David Santos reuniu-se com o grupo para perceber as suas intenções e, quando confrontado com a vontade destes em ali ficar, decidiu contactar a polícia. “Tivemos mesmo de chamar as autoridades porque a ocupação durava já há várias horas e não podia continuar, e as pessoas acabaram até por sair a bem”, diz o director. 

Notícia actualizada no dia 06/07 às 16h15: Acrescentadas as declarações de Rui Mourão

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