Morreu o “Livreiro Velho”, Manuel Medeiros

O mais antigo livreiro de Setúbal abriu a Culsete há 40 anos, fundou o Encontro Livreiro há quatro e sabia que “sem leitura não há cultura”.

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Livreiros Manuel e Fátima Medeiros no stand da Culsete na Feira de Santiago DR

De padre a livreiro, Manuel Medeiros veio dos Açores (1968), fez escala em Lisboa e fixou-se em Setúbal (1971), onde durante 40 anos dirigiu e animou a livraria Culsete, em conjunto com a mulher, Fátima Ribeiro de Medeiros. Morreu na manhã desta quarta-feira, no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, devido aos problemas respiratórios de que padecia há muito. Tinha 77 anos.

Chamava-se a si próprio “Livreiro Velho” e dizia: “Sou apenas um homem/ nada mais que um homem.” Tinha a convicção de que “sem cultura não há progresso e sem leitura não há cultura”, como escreveu no seu livro Papel a Mais (Esfera do Caos, 2009). Enquanto escritor e poeta, assinava Resendes Ventura.

Nas palavras do sociólogo e professor universitário Esaú Dinis, seu amigo de juventude, Manuel Medeiros era “um livreiro que gostava de ler e se fez mediador de leitura, enquanto escrevia poemas para se salvar”.

Muito mais que um vendedor de livros, Medeiros dinamizou a actividade cultural de uma cidade difícil de conquistar. E dizia que a opção pela leitura lhe enchera vida. Por isso, escreveu menos do que muitos esperavam: “Quando optei por trabalhar a tempo inteiro na leitura, a escrita tornou-se papel a mais na minha vida.

O que hoje é prática comum na maior parte das livrarias, como lançamentos, horas do conto, debates, sessões de autógrafos, actividades de promoção de leitura, teve em Manuel Medeiros um dos pioneiros, como se percebe em Papel a Mais: “O que me parece é que o tradicional modo de ser da livraria como mercearia dos livros tem pouca viabilidade (…) Cada vez mais deverá ser apoiada a pequena ou média livraria como centro de convívio, como ‘oficina de leitura’ ou como especialização documental.”

Várias gerações de leitores se formaram na Culsete, lugar onde não se podia entrar com pressa quando Manuel Medeiros lá estava. Conversador, divertido e mordaz, sabia informar, aconselhar e dissuadir. Mesmo que dali se saísse sem livros na mão, voltava-se sempre. As conversas não tinham fim. Nem preço.

Nas vésperas do IV Encontro Livreiro, que se realizou em Abril deste ano, Manuel Medeiros, que gostava muito da expressão “gentes do livro”, disse ao PÚBLICO: “A sociedade não avança sem ser por união. Por isso, é tão importante a solidariedade. Este é um movimento que se baseia nas pessoas que acreditam no livro. Se conviverem, dialogarem e ficarem a conhecer-se, pode acontecer muita coisa.” Mas não queria que os encontros se transformassem em momentos de queixume. “Vamos lutar para vencer as queixas. Se temos mãos, não podemos estar à espera que Deus nos dê pão. E o Governo que vá passear e nos deixe trabalhar.”

Os encontros, que decorrem no último fim-de-semana de Março, eram descritos por Medeiros como “um convívio anual das gentes do livro, nos inícios da Primavera, à volta de um moscatel de Setúbal”. Consciente da dimensão e dos problemas das livrarias independentes, disse, na mesma ocasião: “Somos muito pequenos. Mas, mesmo que tenhamos só um metro, podemos olhar para cima, para a montanha. E o nosso olhar atingirá mil metros.”

O corpo de Manuel Medeiros está na igreja do Convento de Jesus, em Setúbal. Às 10h de quinta-feira, o funeral seguirá para o cemitério de Quinta do Conde, onde se procederá à cremação.
 
 
 
 
 
 

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