Morreu Marni Nixon, cantora-fantasma dos grandes musicais

A soprano que emprestou a voz a estrelas do cinema como Audrey Hepburn, Marilyn Monroe e Natalie Wood morreu este domingo aos 86 anos, em Nova Iorque.

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Marni Nixon a cantar Wouldn't it be lovely? do musical My Fair Lady em 2008 Hiroyuki Ito/Getty Images

Durante as décadas de 1950 e 1960, os produtores de Hollywood preferiam escolher como protagonistas de musicais os actores com nome feito na indústria em detrimento de cantores com formação artística. A adaptação de sucessos da Broadway ao grande ecrã implicava uma mudança no elenco que privilegiava a imagem sobre as aptidões musicais, exigindo a presença de uma voz-fantasma que emprestava o seu talento aos conhecidos rosto do cinema. Marni Nixon, a mais proeminente voz-fantasma de Hollywood, morreu este domingo aos 86 anos, em Nova Iorque. Randy Banner, seu amigo e aluno, disse ao jornal norte-americano The New York Times que a cantora não resistiu a um cancro da mama.

Nascida em 1930, na Califórnia, Margaret Nixon McEathron começou a cantar cedo em coros profissionais, estreando-se aos 17 anos na Filarmónica de Los Angeles sob a direcção de Leopold Stokowski e estudando, depois, música clássica.

Em 1949, cedeu a sua voz ao cinema pela primeira vez, na figura de Margaret O’Brien, em O Jardim Secreto, de Frances Hodgson Burnett. Decidida a cobrir os esforços vocais das estrelas de Hollywood, em 1953 cantou as notas altas de Diamonds are a girl’s best friends que Marilyn Monroe não conseguia atingir na versão cinematográfica de Os Homens Preferem as Loiras.

Um dos grandes momentos da sua carreira aconteceu em 1956, ano em que trabalhou com Deborah Kerr no musical O Rei e Eu, o grande sucesso da 20th Century Fox que valeu a Kerr uma indicação ao Óscar para Melhor Actriz. Kerr, que tinha tomado o lugar da estrela da Broadway Gertrude Lawrence, e Yul Brynner eram as caras que apareciam na capa do álbum, mas era a voz secreta de Nixon que fazia o disco vender milhares de cópias.

Marni Nixon eternizou a sua voz também nos clássicos Amor sem Barreiras (1961) e Minha Linda Senhora (1964), cantando músicas como I feel pretty e I could have danced all night, de Natalie Wood e Audrey Hepburn, respectivamente. Nixon contou à revista Time, em 1961, que Audrey Hepburn compreendia que “a sua voz não era boa o suficiente, mas o ego de [Natalie] Wood não suportava essa ideia”. Os dois filmes ganharam o Óscar para Melhor Filme e o outro protagonista de Amor sem Barreiras, Richard Beymer, também foi dobrado devido à presença do canto lírico na fita.

Muitos americanos cresceram a ouvir Marni Nixon sem conhecerem o seu rosto. Inicialmente não creditada pelo seu trabalho, a voz da cantora não era segredo na indústria cinematográfica. Em 1961, descreveu à Time a sua carreira de dobradora como “parte do percurso de uma cantora em Hollywood”, mas os contratos que assinava exigiam sigilo máximo relativamente à sua voz. “Quando fiz O Rei e Eu, fui ameaçada pela 20th Century Fox. Disseram-me: se contares a alguém que emprestaste a voz à Deborah Kerr, garantimos que não arranjas mais trabalho”, contou em 2007, no programa Nightline, da ABC.

Ser conhecida apenas pela voz não incomodava Marni Nixon no início do seu percurso, mas tudo mudou quando interpretou as músicas de Natalie Wood em Amor sem Barreiras. “Apercebi-me o quão importante a minha voz era para a imagem. Estava a dar o meu talento e outra pessoa ficava com o crédito”, disse ao jornal britânico The Times em 1967.

Ao longo da sua carreira, Marni teve pequenas participações em alguns filmes, como Música no Coração (1965), em que interpretou uma das freiras e subiu, ocasionalmente, ao palco, como em 1964, quando interpretou Eliza Doolittle em My Fair Lady no City Center of New York.

Os vários concertos e gravações da sua carreira, incluindo música de Schoenberg, Stravinsky, Webern, Ives, Copland, Gershwin e Kern tornaram-na aclamada pela crítica. No fim dos anos 1990, tornou-se “a mais conhecida das cantoras-fantasma”, como a designa o Los Angeles Times. Participou ainda em recitais em auditórios como Carnegie, Alice Tully e Town em Nova Iorque. Nixon fez também trabalhos esporádicos no cinema, inclusive uma participação como a avó de Mulan no filme de animação do mesmo nome da Disney, teve papéis na ópera e cantou em recitais. Durante a década de 2000 subiu ao palco da Broadway em reapresentações de Follies, de Stephen Sondheim, e de Nine, de Maury Yeston

O sucesso da sua grande presença no cinema tornou-se ele próprio um fantasma para Marni Nixon. “Emprestei a voz a tantas pessoas que senti que já não me pertencia. Foi sinistro, senti que perdi parte de mim”, disse ao The Times em 1981.

Marni Nixon foi ainda professora e deu aulas de canto primeiro no California Institute of Arts e, mais tarde, no Music Academy of the West, também na Califórnia. Em 2006 publicou a autobiografia I Could Have Sung All Night.

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