Morreu a actriz que mora na canção de Lou Reed Walk on the wild side

Holly Woodlawn era também um dos rostos do star system alternativo de Andy Warhol, aparecendo em filmes como Trash e Women in Revolt.

Foto
Holly Woodlawn em 1971 DR

Holly Woodlawn, a actriz transgénero que a dupla Andy Warhol e Paul Morrissey tornaram famosa nos anos 1970, nos filmes Trash (1970) e Women in Revolt (1972), morreu este domingo em Los Angeles. Tinha 69 anos e lutava contra um cancro no cérebro e no fígado. A notícia, avançada pela agência Associated Press, foi dada pela amiga Mariela Huerta.

O percurso de Woodlawn está cheia de grandes nomes da cultura popular norte-americana. Nascida Harold Danhakl, em Puerto Rico, passou parte da infância em Miami, que deixou aos 15 anos para viajar à boleia para Nova Iorque, onde viria a fixar-se. É este momento de fuga e autodescoberta – desde cedo, lê-se hoje nos obituários espalhados pela imprensa internacional, percebeu que tinha nascido com o género errado – que Lou Reed fixa no seu êxito de 1972, Walk on the wild side, ao escrever “Holly came from Miami FLA/ Hitchhiked her way across the USA/ Plucked her eyebrows on the way/ Shaved her legs and then he was a she…”. Só viria a conhecer o músico depois de lançada a canção, um clássico instantâneo que fala do nascimento do fenómeno Factory e das suas personagens-estrela.

Chegada a Nova Iorque no início dos anos 1960, Woodlawn teria de esperar até ao final da década para entrar na esfera da Factory, clube transformado em planeta Warhol por onde passava boa parte da actividade criativa da cidade já que ali se reuniam artistas, músicos, modelos e actores. Conheceu o artista em 1968, na exibição de Flesh, primeiro filme da trilogia de Morrissey com Warhol como produtor.

Esta ligação a Warhol e à Factory haveria de fazer dela uma estrela de culto que, apesar de múltiplas tentativas que chegaram a passar por uma intensa campanha para que lhe fosse atribuído o Óscar de Melhor Actriz pela sua participação em Trash (o que não veio a acontecer), nunca entrou no mainstream.

“Sentia-me como a Elizabeth Taylor!”, disse a actriz ao diário britânico The Guardian referindo-se ao tempo em que era uma das superstars de Warhol. “Não me apercebi de que não haveria dinheiro nem que a minha estrela ia brilhar dois segundos e nada mais. Mas valeu a pena as drogas, as festas… Foi fabuloso.”

Escreve o The New York Times na sua edição online que Woodlawn ocupou o seu lugar no “panteão de Warhol” com toda a sua “pose”, ao lado de outras actrizes trangénero como Jackie Curtis e Candy Darling, revelando todo o seu talento em Women in Revolt, uma sátira ao movimento de libertação da mulher, vestindo a pele de uma manequim ninfomaníaca que detesta homens e passa a militar numa organização chamada PIG (Politically Involved Girls).

Com detenções, mudanças de cidade pelo meio e o inevitável regresso a Nova Iorque, Holly Woodlawn – nome que escolheu associando o da protagonista de Boneca de Luxo (Audrey Hepburn fazia de Holly) a um cartaz que viu na sitcom americana I Love Lucy – faria um regresso muito discreto na década de 1990 em filmes independentes como Twin Falls Idaho e Billy’s Hollywood Screen Kiss e peças de teatro. Foi também nessa altura que lançou a sua biografia, escrita por Jeff Copeland, cujo título traduz bem o seu percurso de “drag queen superstar” cheio de dificuldades, apesar dos elogios da crítica especializada: A Low Life in High Heels.

Os primeiros anos em Nova Iorque, lembrou através do livro de Copeland, foram particularmente duros: “Aos 16 anos, quando a maioria dos miúdos se fartava de estudar para os exames de Trignometria, eu vivia de estratagemas, da rua, a tentar adivinhar quando seria a minha próxima refeição.”

Joe Dallesandro, um amigo que com ela trabalhou em Trash, estava lá quando Holly Woodlawn morreu. E escreveu no Facebook, citado pela estação britânica BBC: “Estava ao lado dela a dizer-lhe o quanto toda a gente a amava. Foi como se ela soubesse que eu estava ali.”

Sugerir correcção
Comentar