Modernismo futurista

Duas gravações inéditas do lendário Jimmy Giuffre lançam nova luz sobre a sua “década perdida”

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As gravações perdidas de Jimmy Giuffre revelam a estatura e a visão de uma das figuras mais injustiçadas da história do jazz

Dando continuidade à recuperação do incrível espólio de gravações feitas pelo produtor e engenheiro de som George Klabin, também responsável pelas lost recordings de Bill Evans (Live at Art D’Lugoff’s Top of the Gate), Wes Montgomery (Echoes of Indiana Avenue) e, mais recentemente, Charles Lloyd (Manhattan Stories), a Resonance Records disponibiliza agora, num duplo CD, duas sessões de Jimmy Giuffre que se julgavam perdidas — ambas de concertos nova-iorquinos registados em 1965. Modernista e visionário, Jimmy Giuffre (1921-2008), compositor, clarinetista e saxofonista, foi uma dos grandes inovadores do jazz. Mal compreendido e longe de ser consensual, construiu uma carreira feita de experimentação, sofisticação, rigor e um raríssimo sentido estético, tendo registado inúmeras obras de referência, das quais se destaca a obra-prima de 1962, Free Fall. O fracasso comercial desse disco, ditado pelo som austero e abstracto do grupo, levou a multinacional Columbia a desistir de Giuffre, lançando-o num longo período de actividade underground, da qual não havia, até agora, qualquer registo (à excepção de uma gravação de 65, feita em Paris). 

Durante cerca de nove anos (viria a gravar de novo em nome próprio em 71), o músico atravessaria aquela que é referida como a sua “década perdida”. E é essa exactamente a importância monumental desta edição, o facto de nos permitir compreender a evolução notável do pensamento e da acção de Giuffre, levando ainda mais longe os paradigmas explorados em Free Fall e desenvolvendo o seu característico jazz de câmara para territórios ainda mais austeros e abstractos. O primeiro disco de New York Concerts foi gravado em Setembro de 65 no lendário Judson Hall, no New York Festival of The Avant Garde. A acompanhar Giuffre, que toca saxofone tenor e clarinete, estão o contrabaixista Richard Davis e o baterista Joe Chambers, ambos possuidores de experiência e argumentos técnicos para fazerem desta uma sessão memorável, e ambos a entregarem-se por completo à concepção musical visionária do líder — contraponto, harmonia pontilística e melodias livres, explorados através de uma enorme variedade de técnicas extensivas e do recurso aos ensinamentos não só de Eric Dolphy e Ornette Coleman, mas também de Stravinsky, Messiaen, Morton Feldman ou Earle Brown. Neste primeiro CD, o trio interpreta uma versão vibrante de Crossroads de Ornette Coleman e quatro originais de Giuffre (todos eles retomados no CD seguinte), com o som captado por Klabin a aproximar-se surpreendentemente de uma gravação de estúdio. No CD seguinte, gravado alguns meses antes no Wollman Auditorium, Giuffre junta um pianista ao trio, Don Friedman, e reúne na secção rítmica Chambers na bateria e Barre Phillips no contrabaixo. Escutada hoje com alguma perplexidade, fica-nos a percepção de que esta música poderia ter sido feita agora, cinco décadas mais tarde, facto que se constitui como revelador da estatura e da visão de uma das figuras mais injustiçadas da história do jazz.

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