Missa gloriosa

Um dos mais admiráveis discos do ano transacto.

Foto
John Eliott Gardiner DR

Há discos que, mesmo já tendo sido lançados há tempos, justificam uma abordagem e uma chamada de atenção (diga-se que há aqui dois problemas, autónomos mas interligados: o escasso tempo que tantas e tantas vezes medeia entre o lançamento no mercado de uma gravação e o seu desaparecimento dos escaparates e, além da restrição do espaço crítico, o atraso com que tantas vezes essas gravações são abordadas). Este é um desses casos, e a crítica ainda assim é mais do que justificada, pois este foi um dos mais admiráveis discos do ano transacto.

Já em 1989 havia sido editada, ainda na Deutsche Grammophon Archiv, uma gravação da obra dirigida por Gardiner. Vinte e cinco anos depois ou quase (a gravação propriamente dita, em concerto, data de 2012), esta nova é “solene” de outro modo. Não porque a concepção seja fundamentalmente diferente — ainda assim há aspectos com outro realce —, mas porque o já de si sempre excepcional esplendor do Monteverdi Choir, qual verdadeiro protagonista da leitura, é ainda mais exponencional, e sobretudo porque a Orchestre Révolutionnaire et Romantique, formação recente na altura da anterior gravação, exibe agora plenamente a espantosa paleta que, no entretanto, evidenciou no ciclo de Sinfonias de Beethoven e em obras de Berlioz ou Schumann, nomeadamente.

Depois de um Kyrie muito interiorizado, o Gloria é de uma absoluta magnificência, que não exclui o devaneio lírico-pastoral em Gratias agimi tibi ou o sentido recolhimento do Amen no final. Um recolhimento — mas sempre com o fervor extraordinário do coro — que prossegue no sucessivo Credo. O Sanctus é verdadeiramente apoteótico, com uma inexcedível clareza das linhas e um momento transcendente no uníssono do coro e do violino solo no Benedictus. Enfim, o Agnus Dei é uma imploração ardente mas também jubilatória, de novo com uma indiscritível beleza do “qui tollis peccata mundi” dos solistas.

Por diferentes que sejam entre si as grandes referências interpretativas clássicas da Missa Solemnis, sempre lhe acentuam justamente a “solenidade”. Quanto a esses modelos, a diferença desta excepcional interpretação é a de um ardor esplendoroso — e sem dúvida que com essa tão diversa característica se alça ao patamar de uma das referências discográficas maiores da obra. Chapeau, Sir John Eliot!

Sugerir correcção
Ler 1 comentários