Miguel Angelo: “Às vezes a velocidade digital perturba-nos e as referências perdem-se”

No mercado digital desde 3 de Abril, Segundo é lançado exclusivamente em vinil e apresentado hoje ao vivo na FNAC Chiado, pelas 18h30.

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Miguel Angelo na capa do LP: com a mãe, na casa onde cresceu DR

Fez a estreia a solo pós-Delfins com Primeiro (2012), dá-lhe agora continuidade com Segundo. Mas este novo disco começou por ser lançado nas plataformas digitais e só agora ganha hoje forma física, exclusivamente em vinil. Miguel Angelo vai lançá-lo este sábado na FNAC-Chiado, em Lisboa, com um pequeno concerto no Record Store Day, às 18h30.

Porquê apenas em vinil? “Vendo o número de vendas semanais do top português de CD, os números são cada vez mais irrisórios. 2014 foi o primeiro ano em que as vendas digitais ultrapassam as vendas físicas dos CD”. É como se o CD tivesse acabado. Além disso, ele defende que o vinil tem outros atractivos: “Com tantos anos de desmaterialização da música, acho que faz sentido voltar a um formato mais nobre. Obviamente, as pessoas ouvem música nos telefones e nos computadores, mas aqueles discos de que nós gostamos mesmo, eu gosto é de tê-los em casa e ouvi-los com outra disponibilidade, na aparelhagem, sentado na sala. E dedicar-me mais àquela obra. Era o que eu fazia quando era miúdo e que há uns anos recomecei a fazer.”

Na capa, Miguel Angelo surge fotografado na sala da casa onde cresceu, em pé. Sentada no sofá está a sua mãe, Elisa Magalhães. A imagem foi inspirada numa reportagem da revista norte-americana LIFE onde artistas surgiam em pose junto dos seus pais, nas casas onde tinham crescido. “Às vezes a velocidade digital perturba-nos. O novo está em todo o lado, está sempre a aparecer e as referências perdem-se. Segundo tenta recuperar algumas das referências que estão mais ligadas às nossas raízes, à nossa formação.” Foi o caso da canção O Vento Mudou, com que Eduardo Nascimento ganhou o Festival de Canção em 1967. Os Delfins gravaram-na no lado B do seu primeiro single, em 1984, e ele regravou-a agora.

Voltando um pouco atrás, ao tempo pré-Delfins, Miguel Angelo diz que a descobriu um pouco por acaso. “No meio de tantos discos que se ouviam nas festas, ao mesmo tempo que ia descobrindo grandes nomes da música internacional, como o David Bowie ou o Bob Dylan, encontrei num armário fechado uma colecção de discos do meu tio, singles e EP, e vi lá o single d’ O Vento Mudou. Ouvi-o com alguma curiosidade.” E achou a canção “diferente do nacional-cançonetismo” que imperava no Festival da Canção. “Encerrava um mistério maior. E havia outro factor: a interpretação andava entre o crooner e o soul man, e como eu gostava muito (e gosto) da música negra norte-americana, da Stax, da Motown, levei o disco uns anos mais tarde para a garagem, com os Delfins, e propus gravar a canção com um órgão Hammond e um baixo à Motown.”

Trinta anos passados, Miguel Angelo voltou a gravá-la, mas em dueto com o próprio Eduardo Nascimento. “Fiquei muito surpreendido quando lhe telefonei, porque não sabia se ele estava para isso, ou se ainda cantava, ou se achava a ideia boa. E houve um entusiasmo muito grande dele, quer no espectáculo ao vivo, em Agosto de 2014 na baía de Cascais, quer depois na ida a estúdio. Gravou-a em dois ou três takes. A voz dele, com o passar dos anos (já tem 71), ganhou uma carga maior do que a que está no single de 1967. E mantém uma grande atenção à música portuguesa, ao que se vai fazendo. O que me faz pensar que este seu regresso à música não irá ficar por aqui.”

E regravou também um tema do filme Zona J, Só eu te posso ajudar: “Surgiu quando fizemos a digressão do Primeiro. Embora recupere temas dos Delfins, queria tocar o máximo possível de temas a solo. Como só tinha o Primeiro, fui ver m disco a solo que fiz nos anos 90, onde estavam duas canções que fiz para o Zona J e começámos a tocar aquilo da forma o mais simples possível, com uma guitarra de doze cordas e voz. Tornou-se num dos momentos obrigatórios da tournée e achámos que seria bom gravá-lo assim.”

O disco anterior era mais acústico, este é mais eléctrico. “Não foi premeditado, mas no primeiro disco quis afastar-me um bocadinho dessa matriz pop e fui para o acústico e para instrumentos que nunca tinha usado, como a tuba, o violoncelo, o violino, o acordeão, instrumentos mais ligados até à folk do que à pop e ao rock. Naturalmente, na composição deste disco, já sem pensar no fim dos Delfins nem fugir à minha natureza, começaram a sair estas canções, mais despreocupadas e mais pop.”

Se Segundo é literal no título, a última canção do disco chama-se mesmo A última canção, balada que Miguel Angelo partilha com Nicole Eitner, cantora luso-alemã radicada em Portugal. “É aquela canção, em relação a quem está na estrada em concertos ou vai uma temporada para estúdio, que fala da sensação de solidão que se sente sempre nessas alturas. Por um lado há a sensação de dever cumprido, por outro fica o vazio. Mas no fim, e esta canção diz isso, acaba por haver continuidade. E surge uma nova canção. É um ciclo que está sempre a repetir-se.”

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