Um teatro moçambicano que fala de hidrocarbonetos e de crise financeira mundial

O Festival Periferias, em Sintra, começa esta quarta-feira a sua apresentação de uma dezena de peças nacionais e internacionais por companhias vindas de geografias menos visitadas nas salas de espectáculos dos grandes centros urbanos. A abrir, A Nova Aragem, dos moçambicanos Lareira Artes, um texto em torno das questões levantadas pela exploração de hidrocarbonetos.

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A Nova Aragem, quarta produção da companhia moçambicana Lareira Artes e espectáculo de abertura do sintrense Festival Periferias, foi ensaiada no lugar de sempre: o quarto do actor Diaz Santana. O grupo, fundado por Santana e Sérgio Mabombo em 2010, rapidamente se impôs como um dos mais internacionais do teatro local, ainda que sem grande espaço para se mostrar no próprio país. Lá iremos.

O espectáculo que esta quarta-feira marca o arranque do Periferias (festival de teatro dedicado à divulgação de linguagens teatrais menos conhecidas e com foco particular no mundo lusófono) parte da recente febre na exploração de hidrocarbonetos em Moçambique para assegurar a missão assumida pelo Lareira Artes: reflectir sobre o contexto político e social do país. Escrita por Sérgio Mabombo e interpretada por Diaz Santana e Sílvia Mendes, é “uma obra que nos alerta sobre os conflitos que poderão advir dessa exploração dos hidrocarbonetos”, segundo a definição de Santana ao PÚBLICO.

Esse não é, no entanto, o único conflito a subir ao palco esta quarta-feira à noite na Casa de Teatro de Sintra. A partir da descoberta de enormes quantidades de gás e petróleo nas suas propriedades, o casal Micumbeu Fuado e Rabia resolve pedir ajuda a uma engenheira portuguesa com conhecimentos para avançar com a exploração. As duas culturas, africana e europeia, chocam quando é sugerido que a engenheira, “para seguir a tradição, tem de fazer uma limpeza espiritual, tem de contactar a curandeira”. Mas A Nova Aragem aborda também esta prática sistemática da intervenção estrangeira se apoderar dos recursos naturais africanos, assim como o esgotamento desenfreado desses recursos a qualquer custo.

“O que acontece”, diz Dias Santana, “é que se descobre estas coisas nas propriedades onde está a população vulnerável e depois a população é expulsa dali e não tem benefício dos tais recursos. Não queremos que esta riqueza se transforme num banho de sangue.”

Definindo-se como “mensageiros do povo” – “não é só irmos ao palco para fazer rir as pessoas sem mensagem nenhuma”, explica o actor –, os elementos do Lareira Artes estarão também representados na apresentação esta quinta-feira, também na Casa de Teatro de Sintra, da peça Que Deus lhe Dê em Dobro, pela companhia brasileira Grupo Dragão 7. Que Deus lhe Dê em Dobro é, na verdade, a adaptação da primeira peça do Lareira, escrita por Mabombo, intitulada originalmente A Cavaqueira do Poste, em que dois mendigos discutem a crise financeira mundial.

A disseminação da obra do grupo e as suas apresentações regulares no Brasil, em Portugal e em Angola tornam ainda maior a incompreensão do Lareira em relação à falta de apoios e de condições de trabalho ao seu dispor em Moçambique. “As coisas não estão lá muito saudáveis”, desabafa Diaz Santana. “Há falta de interesse de quem de direito para apoiar os artistas em Moçambique. Continuamos a ensaiar no meu quarto e só existem duas salas de teatro em Maputo – com os respectivos donos, aos quais temos de pagar um valor se nos quisermos apresentar nessas salas. E ninguém patrocina. Como é que nos vamos apresentar?”

As peças do Lareira são por isso financiadas pelos dois fundadores do grupo. “Temos de trabalhar para alimentar o teatro”, confessa o actor.

Esta quarta-feira à noite, o Periferias inicia a sua programação com A Nova Aragem, pelo Lareira Artes, na Casa de Teatro de Sintra, seguindo-se, até 15 de Março e na mesma sala, as companhias Grupo Dragão 7 (Brasil, dia 5), ASTA (Covilhã, 6), Escola da Noite (Coimbra, 7), Lendias d’Encantar / Teatro D’Dos / Teatro Tierra (Portugal/Cuba/Colômbia, 8), Alma d’Arame (Montemor-o-Novo, 11), Companhia de Teatro de Sintra / Cacau (Portugal / São Tomé e Príncipe, 12), Teatro Art’Imagem (Porto, 13), Inestética (Vila Franca de Xira, 14) e Teatro Estúdio Fontenova (Setúbal, 15).

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