Meditação e melodia

O novo disco dos Bitchin Bajas revolve-se no minimalismo, no rock psicadélico e no kraut-rock, mas não se afunda em referências

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A música dos Bitchin Bajas é lenta, “espacial”, mas tem uma substância que a torna chã, acessível, cortês e (mais) humana Jeremy Chiu

Das editoras que nos anos 90 marcaram o panorama americano da música indie, a Drag City foi sempre a mais curiosa e generosa. Nunca se limitou à música do “seu tempo”, nem se preocupou em ser “vanguarda”. Resgatou nomes do esquecimento (Red Crayola ou bIG fLAME foram os primeiros) e protegeu grupos e músicos em princípios de carreira e difíceis de catalogar (Pavement, Smog, Royal Trux). Dan Koretsky, o dono hippie, foi o autor desse trabalho digno, antecipando a febre das reedições e afirmando a história da música popular como um diálogo entre épocas e formas musicais. Obviamente, existiu sempre um gosto, uma predilecção: pelos vencidos do rock e da folk, pelos recantos de certa pop, pelo (free) jazz e, sobretudo, pelo rock psicadélico. 

Resumindo, na Drag City a música popular existia antes e muito para lá do punk, de evoluções ou “progressos” estéticos. É esta a ideia que os Bitchin Bajas ilustram tão bem. O disco homónimo é o segundo com o selo da Drag City e celebra, com aplausos, a insistência de Cooper Crain (ao lado de Dan Quinlivan e Rob Frye) no projecto (Crain é guitarrista dos Cave e dos Moon Duo). Admita-se: o carimbo retro sobrevoa as oito faixas na cauda de um enxame de etiquetas e nomes (Eno, Fripp, Terry Riley, os Ash Ra Temple, a música indiana), mas logo em Tilang, tema de 18 minutos, descobre-se o feito do projecto de Chicago: consegue tecer, graciosamente, as explorações de Terry Riley, de La Monte Young, do Cale pré-Velvets na euforia indolente e espectral do kraut-rock. Sim é música lenta, “espacial”, mas tem uma substância, uma densidade que a torna chã, acessível, cortês e (mais) humana. O gosto pela melodia, pela composição, e a presença cristalina dos instrumentos elevam-se em simultâneo na belíssima Asian carp e criam o loop em que Ruby se embala. Field study é uma pausa, porventura dispensável, com sons da natureza até Brush retomar a viagem ao som dos teclados. A repetição regressa, mas com pequenos movimentos e oscilações, sopros juvenis de ritmo que se silenciam nos primeiros minutos de Bueu. Por esta altura, Cooper Crain, Dan Quinlivan e Rob Frye já soltaram a electrónica e a guitarra, mas discretamente. Os dois instrumentos ouvem-se menos envergonhados, em primeiro plano, ao longo de Pieces of tape, elegia alegre dedicada às tradições e às geografias que inspiraram os Bitchin Bajas. Ameaça terminar num crescendo, em êxtase, não fosse a sabotagem “punk”, em tom irrisório, que a interrompe.

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