MCK: “Se calhar, em Angola, um artista é um inimigo público”

A mais conhecida voz do “rap revú” viu-se esta terça-feira impedida de sair de Angola. A pressão é crescente em Luanda, sobretudo em relação a artistas, disse ao PÚBLICO.

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MCK em Setembro no MusicBox, em Lisboa Miguel Manso

MC Kappa (MCK) é um rosto conhecido da contestação ao regime, a mais conhecida voz do “rap revú” em Angola. É o nome artístico de Katrogi Nhanga Lwamba, de 34 anos, que na manhã desta terça-feira foi impedido de embarcar num voo de Luanda para o Rio de Janeiro, onde na quinta-feira tem agendado um concerto no festival Terra do Rap.

Às 19h de Lisboa – uma hora mais tarde em Luanda –, MCK não sabia ainda se poderá viajar esta semana e se chegará a actuar no Brasil. Apesar de ter o visto necessário, de manhã, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, foi informado de “ordens superiores” do Serviço de Migração e Fronteiras para a retenção do seu passaporte. Devolvido apenas meia hora após a descolagem do voo em que devia ter embarcado.

“É uma arbitrariedade dos Serviços de Migração. Dizem que há uma ‘informação de interdição’ sobre o meu passaporte”, explicou o músico ao PÚBLICO depois de uma reunião com o seu advogado, que dará entrada esta quarta-feira a um pedido de esclarecimento sobre o caso.

Sem qualquer processo judicial em curso, é a primeira vez que MCK se vê impedido de viajar. Mas identifica “um longo histórico de violação de direitos”, não só próprios como de pessoas de diversas formas ligadas à sua música. A começar, recorda, pelo assassinato de Arsénio Sebastião, em 2003.

MCK tinha nessa altura 22 anos. Arsénio Sebastião tinha 27 e estava a cantar A Téknika, as kausas e as konsekuências, de MCK, quando foi morto pela guarda presidencial à vista de todos no embarcadouro do Mussulo. Desde então, MCK teve discos apreendidos, espectáculos interditos, a casa arrombada, o carro vandalizado e ameaças de todos os tipos. Mas não deixou de contestar o regime. Nem, ao longo dos últimos meses, deixou também de defender publicamente a liberdade dos 17 activistas ainda em julgamento por “actos preparatórios” de rebelião e atentado contra o Presidente José Eduardo dos Santos, entre eles o também rapper Henrique Luaty Beirão, Ikonoklasta.

MCK tem visitado “com regularidade” os activistas na prisão. Diz não poder imaginar como, “num estado democrático”, essa proximidade possa servir de pretexto para o desrespeito das autoridades pelos artigos da constituição angolana que consagram aos nacionais o direito de circulação. “Mesmo que acabe por não conseguir actuar no Brasil, quero uma explicação para os transtornos que esta situação causa.”

MCK refere que em Luanda se sente uma pressão crescente, com “muito mais repressão e privações de liberdade”: “Nos últimos tempos, cada vez mais.” E isto “sobretudo em relação a artistas”.

“Há uma pressão muito forte neste momento sobre quem contesta”. E muitos dos que contestam, na Angola de hoje, estão ligados ao rap nas suas florações mais politizadas e interventivas. Como ele próprio. Ameaças para um regime “muito preocupado com qualquer tipo de denúncia internacional”.

“Se calhar [em Angola] um artista é um inimigo público”, diz MCK. Num estado democrático e de direito não seria. “Um estado democrático e de direito não teme a denúncia. Aproveita todas as ideias que concorrem para um bem comum.”

MCK diz isto sem medo: “Não tenho medo. Tenho plena consciência de estar a exercer apenas os meus direitos de cidadania.”

No concerto que deu no primeiro dia de Setembro no MusicBox, em Lisboa, teve como convidado Bonga, grande símbolo da música popular de Angola. O concerto servia de apresentação à reedição, em versão aumentada, do álbum Proibido Ouvir Isto (2012), mas o caso dos “17 de Luanda”, presos em Junho anterior, esteve sempre presente.

A dada altura do concerto MCK fez silêncio, marcando o momento em que, na versão original do tema que estava a interpretar, intervinha Ikonoklasta.  “Esta música fica por aqui porque, nesta parte, iria entrar a voz do Ikonoklasta”,disse na altura.

Foi o mais recente concerto internacional da sua agenda. O próximo, depois de Terra do Rap, está marcado para a primeira semana de Dezembro, em Maputo, Moçambique.

“A ideia é tornar-me num prisioneiro?”

 

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