A liberdade vai passar por aqui

Nome chave do jazz, infatigável explorador sonoro, Mats Gustafsson apresenta-se no Jazz Em Agosto com os Fire! Orchestra e os Swedish Azz. A intensidade de uma big band sem fronteiras, o passado a verter-se no presente. Em ambos, a convicção de que a música nasce também de uma postura ideológica

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Mats Gustafsson é o grande destaque do Jazz em Agosto. Figura imprescindível no actual panorama jazz, fruto da forma selvagem com que aborda o seu instrumento, o saxofone, e de uma curiosidade musical inata, é animado pelo desejo de abolir fronteiras estéticas. Missão cumprida JOAQUIM MENDES

A amplitude do sopro de Mats Gustafsson, saxofonista poderoso, infernal, estaria um pouco enfraquecida. A dez dias do primeiro dos dois concertos que dará em Lisboa e que surgem como grande destaque do Jazz em Agosto, o sueco de 50 anos lutava com uma constipação que lhe impunha uma tosse rouca. Ainda para mais, estava em Espanha, a braços com temperaturas proibitivas para os seus genes escandinavos. “Sei que estará habituado ao calor, mas eu nasci na Suécia. Estão quarenta graus há uma semana. É demasiado radical para mim”, confessava ao Ípsilon em início de conversa. Em questões de clima, Mats Gustafsson pode preferir temperaturas baixas. Na sua música, por outro lado, ambientes gélidos são uma inexistência, algo que se deve evitar a todo o custo.

Activo desde  meados da década de 1980, Mats Gustafsson é um dos grandes improvisadores europeus, nome de destaque no jazz do nosso tempo. A intensidade do sopro tem correspondência directa na curiosidade com que encara a criatividade. Extremamente prolífico e sempre aberto à descoberta, cruzou-se ao longo dos anos, em palco e em estúdio, com nomes do jazz como Joe McPhee ou Ken Vandermark, com ícones rock como Thurston Moore ou Jim O’Rourke, bandas garage como os Cato Salsa Experience, exploradores sonoros abençoadamente tresloucados como os italianos Zu!.

Partindo da música improvisada total, foi-se abrindo esteticamente a outros universos. “Foi óptimo passar todo aquele tempo nessa cave da música improvisada”, diz-nos. “Por vezes temos que seguir muito profundamente um tipo de música específico para o compreendermos verdadeiramente. Depois podes utilizá-lo noutros contextos. Porque há tanto mais para explorar”. Há certamente, como comprovaremos no Jazz Em Agosto, na Fundação Calouste Gulbenkian.

Esta noite, às 21h30, no Anfiteatro ao Ar Livre, subirá a palco a Fire! Orchestra. Começou por ser trio formado por Gustafsson, Johan Berthling (baixista) e Andreas Werliin (baterista), mestres de um groove mastodôntico e libertário, e transformou-se entretanto numa big band que conta hoje com 19 elementos e cuja discografia contempla Exit (2013) e Enter (2014) - no Jazz em Agosto apresentarão uma nova peça, Ritual. Entre os bateristas, as secções de sopro, as guitarras e as duas vocalistas, Gustafsson assume um papel duplo: é o maestro que vai organizando todo o fluxo de música, mutante de concerto para concerto, e é o membro do combo que, quando se entusiasma com a música criada, não consegue impedir-se de pegar no saxofone e juntar o seu saxofone a toda aquela massa de som.

Dois dias depois, domingo, à mesma hora e no mesmo local, será protagonista de uma experiência muito diferente. Mats Gustafsson e o velho companheiro de estrada Per-Ake Holmlander (tuba), alimentavam há alguns anos e ideia de trabalhar o legado deixado pelo jazz sueco das décadas de 1950 e 1960, considerada a era dourada do género no país. Quando se juntaram ao duo Kjell Nordeson (vibrafone), Erik Carlsson (bateria) e Dieb 13 (DJ e electrónica), o desejo tornou-se realidade. Estávamos em 2009 e nasciam os Swedish Azz. A intenção é criar uma verdadeira homenagem: ou seja, não tratar a música do passado como monumento intocável, mas usá-la para mostrar como pode ser vital esse legado, quando transposto para o presente.

A par dos explosivos The Thing, a Fire! Orchestra e os Swedish Azz são, neste momento, o grande foco da sua atenção. Dinamitar a tradição, preparar o futuro, eis Gustasson no Jazz em Agosto. Não haverá constipação que o pare.

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Os Swedish Azz recuperam a era dourada do jazz sueco e reconfigura-a no tempo presente STANISLAV MILOJKOVIC
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Os Fire! Orchestra são big band onde se fundem jazz e rock num groove intenso MICKE KEYSENDAL

Apresenta-se no Jazz Em Agosto com dois conjuntos bastante diferentes, quer na  formação, quer na música que criam. Com os Swedish Azz homenageia um legado cultural, transportando-o para o presente. Com a Fire! Orchestra capta uma energia primordial onde jazz, rock ou funk se mesclam furiosamente. Imagino que não suba a palco com o mesmo estado de espírito.
O segredo é o mesmo em ambos os casos. Se não te entregares totalmente, estás lixado. Se for para jogar pelo seguro e fazer o mesmo trabalho que ontem e anteontem, então não estou interessado. Claro que os dois projectos que levo ao Jazz Em Agosto são bastante diferentes, mas são uma grande parte daquilo em que estou mais concentrado agora. Os Swedish Azz são um “animal” muito interessante para mim e, apesar de tão diferentes dos Fire! Orchestra, encontro-lhes semelhanças. Ambos lidam com improvisações, ambos lidam com a história, como tudo o que fazemos. Aquilo que tocamos é moderno e algumas pessoas chamam-lhe por vezes avant-garde, mas sempre que colas uma etiqueta na música estás a cometer um erro, estás a condicionar o ouvinte e a impedi-lo de encarar a música com mente aberta. Se dizes que tocas free jazz, uma série de pessoas responderão que é horrível, que detestam free jazz. Se dizes que o projecto tem uma orientação rock, dir-te-ão que não gostam nada de misturas com elementos rock. É sempre traiçoeiro etiquetar a música. Sei que soa a cliché, mas se fores a um concerto com a mente aberta, tens mais a ganhar. Não quer dizer que gostes, não quer dizer que eu ache que, nessas condições, toda a gente gostará de um concerto meu. Não posso esperar que isso aconteça. Na verdade, é muito simples: fazemos a nossa música e tu gostas ou não gostas.

No caso dos Swedish Azz, porém, é impossível que todos ouçam a música da mesma forma descomprometida. Se tocar na Escandinávia, o público reconhecerá a matéria sobre a qual trabalham. Fora dela, o público não terá pontos de referência a servir de guia.
Com os Swedish Azz é realmente diferente. Claro que eu não consigo fazer música que soe como a daquela época. Primeiro, porque não é o meu talento, e, segundo, porque acho estúpido tentar recriar música que já foi feita. Tens que fazer algo novo, especialmente se trabalhas com improvisação. O que fazemos é pegar em elementos de todas as composições e técnicas de composição com que aqueles músicos estavam a lidar e transformamo-las na música dos Swedish Azz. É certo que falamos e apresentamos a música que estamos a interpretar durante os concertos, mas é muito diferente quanto tocamos na Suécia, onde as pessoas têm muito próximas, desde a infância, pelo menos metade daquelas composições. Tocamos uma peça de Jan Johansson, um músico sueco que se tornou muito famoso nos anos 1960, e na Suécia toda a gente está familiarizada com alguns dos seus temas. Quando os tocamos na Hungria ou na Rússia, claro que ninguém sabe que raio é que estamos a fazer. São experiências diferentes, mas com os Swedish Azz temos uma missão, que é a de espalhar conhecimento sobre estes compositores. Alguns são conhecidos à volta do mundo, como Lars Gullin ou Jan Johansson, mas a maioria são completamente desconhecidos. Isso entristece-me, porque há ali grande música. Claro que isto acontece em qualquer cultura. Em Portugal ou em Espanha haverá músicos jazz do passado magníficos, sem que muitos os conheçam. Os Estados Unidos, que têm uma tradição jazz tão rica, também têm muitos casos semelhantes. O Ken Vandermark tem feito um grande trabalho ao expor uma série de músicos e compositores jazz desconhecidos nos seus projectos. Acho isso óptimo. E ele também não quer copiar o que já foi feito, quer levar o passado a outro lugar. É assim com toda a gente. Temos uma tradição e podemos apoiar-nos nela ou destruir parte dela. É a nossa herança, podemos fazer dela o que quisermos.

Vem nesse sentido a decisão de usar a electrónica, inexistente nos anos 1950 e 1960, como um dos elementos decisivos do grupo? 
As electrónicas e o gira-discos são instrumentos chave nos Swedish Azz. [O DJ e responsável pela electrónica] Dieb 13 samplou muitas das gravações originais e estamos a tocá-las processadas, distorcidas. Ele tem uma máquina de cortar vinil em casa e é um génio dos computadores. Consegue fazer óptimos cortes de vinil e samplar o que quiser das gravações originais. Tanto eu como o Per-Ake Holmlander [tuba e cimbasso, fundador da banda com Mats Gustafsson] somos coleccionadores e temos boas discotecas. Nos Swedish Azz isso é muito útil. A minha colecção é bastante razoável e tenho a maioria da música que os Swedish Azz tocam na minha colecção. Por vezes, a minha doença do coleccionismo transforma-se numa uma ferramenta muito útil.

O período que evocam é considerado a “era dourada” do jazz escandinavo, o momento em que este encontrou uma identidade própria. Quais as características que a definiram e que a distinguiram do que era criado noutras latitudes?
Muita gente tenta definir o som escandinavo e existe um som escandinavo algures, mas evito falar demasiado nele. Genericamente, a comunidade jazz sueca era extremamente influenciada pelo Charlie Parker, que passou um Verão inteiro em digressão na Suécia, em 1950. Esse bebop hardcore que o Charlie Parker estava a fazer teve muita influência, mas isso é uma parte. Depois surge a escola do [saxofonista] Lee Konitz, muito presente nos músicos chave suecos. Lars Gullin era o mais importante. Era o que fazia digressões, foi o que se tornou internacionalmente conhecido e que fez gravações com outros músicos famosos. Tem qualquer coisa no seu som que é, a meu ver, o início do som escandinavo. Lida com alguns elementos folk e tem uma interpretação muito melódica. Há sempre excepções, mas esse era o maior foco nos anos 1950. Nos anos 1960, houve uma série de novas vozes a chegar à cena, mais interessados em quebrar a tradição. A era dourada pode portanto dividir-se em duas partes. Tem o lado da West Coast americana e, depois, as abordagens mais livres. Mas quando falamos de estilo, estamos sempre a referir-nos a vozes individuais. Essa voz é muito mais importante que ter nascido na Argentina, na Islândia ou em Taiwan. Podemos sempre improvisar juntos. Não interessa qual é o teu sexo, a tua etnia ou teu background cultural. O mais importante é o que és e o que é a tua voz. É essa a chave para descodificar esta música.

Voltemo-nos para a Fire! Orchestra. O que vos levou a transformarem os Fire! neste grupo que amplifica a energia do trio original numa big band de 19 elementos?
Tudo aconteceu depois de uma digressão europeia. Estávamos sentados numa mesa de café a beber e a falar do futuro, quando um de nós, já nem lembro quem, disse que devíamos fazer uma festa em Estocolmo. “Convidamos todos os nossos amigos e damos um concerto. Não interessa se serão 20 ou 40. Tocamos todos juntos a música dos Fire!”. Começámos a telefonar a vários músicos. Encontrámo-nos numa sala de concertos em Estocolmo e criámos uma espécie de partitura, baseada nos nossos riffs preferidos do trio. A ideia era ser um concerto único, mas veio tanta gente, e ainda se formou uma fila de centenas de pessoas à porta do clube, e as pessoas estavam a passar-se no concerto, com gente a chorar, que, depois disso, decidimos que tínhamos que levar isto mais a sério. Claro que é um pesadelo logístico e económico. Foi também por isso que decidimos reduzir o grupo a 19 pessoas, que é o número de músicos na nova versão da orquestra. A identidade é a mesma: a música dos Fire enquanto trio, mas acrescida de uma paleta de cores e de influências muito maior. Agora queremos fazer música um pouco diferente do Exit e do Enter, enquanto começamos a olhar também para fora de Estocolmo. O núcleo do grupo ainda é constituído por músicos de Estocolmo, mas agora temos também músicos da Dinamarca, da Noruega, de França e de outros lugares na Suécia.

Será correcto afirmar que o principal conceito por trás da Fire! Orchestra é a ideia de colaboração na diferença? Reunir músicos de origens e percursos diferentes para criar um organismo vivo e coerente, uma verdadeira cooperativa criativa?
Essa é a chave. Músicos com experiências diferentes. Muitas das pessoas na banda têm um background de jazz e free-jazz, outros não. Alguns lêem música, outros não. Fizemos como Duke Ellington, ou seja, decidimos primeiro que músicos queríamos e depois compusemos para eles. Eu, o [baixista] Johan [Berthling] e o [baterista] Andreas [Werlin] decidimos tudo e discutimos todos os dias como tornar o grupo melhor, como fazê-lo evoluir. Como eu estou ali no meio a esbracejar [enquanto maestro do grupo], o foco está muito em mim, o que não é muito justo - mas a minha posição é fantástica para trabalhar: há tanto que podes fazer em grandes ensembles que não é possível nos pequenos. As possibilidades são imensas, mas o principal é mesmo a personalidade dos grupos individuais e o que podem acrescentar ao todo. Alguns têm egos grandes, mas confiam no conceito e confiam uns nos outros. Tem muito a ver com partilha. Aquilo que estamos a fazer é muito democrático e é importante para mim a um nível ideológico.

É curioso que diga isso, porque a Fire! Orchestra, no momento histórico, social e político que atravessamos hoje, é, de certa forma, uma impossibilidade. Gravar e andar em digressão com um combo de duas dezenas de músicos, tocando música exigente e desafiadora, será, segundo o pensamento político predominante, um capricho de quem anda a viver acima das suas possibilidades.
No papel é uma impossibilidade. São demasiados músicos. É impossível ter bons cachets, é impossível juntar toda a gente, é impossível trabalhar em música desta forma no clima político que atravessamos hoje. O mundo económico em que vivemos tem vistas extraordinariamente curtas. Basta ver a forma como olha para o lucro e todo o pensamento que lhe surge associado. É por isso que precisamos de uma cultura alternativa, para que possamos ver que existe mais para além disto e que há algo que se ergue com força contra isto, algo que espeta um dedo grande e gordo na cara de toda a sociedade. Deveria ser impossível ter este grupo, mas não é. Temos alguns apoios estatais limitados, mas além disso… A Suécia costumava ser uma sociedade que funcionava. Se pensarmos no sistema escolar, nos cuidados de saúde ou no apoio à terceira idade, como existiam nos anos 1970 e 1980, a Suécia era um caso exemplar. O problema é continuar a falar-se da Suécia como um caso exemplar quando o sistema está completamente lixado. Tudo foi privatizado, tudo é feito com vistas curtas, todos os políticos defendem o mesmo e não há debate ideológico real. Eu sou um homem muito optimista, mas se olhar para a forma como trabalham os media, como funciona o universo comercial, como as grandes empresas estão a usar e a destruir o ambiente e a natureza sem que se levantem grandes protestos, sinto tudo isto como nauseante e muito bizarro. Vejo como a União Europeia age de forma tão cínica, funcionando apenas para benefício dos grandes países, e sinto falta de um debate criativo sobre todas estas questões. Isso não significa que tenha que fazer música programática. Nunca comporia uma peça para a Fire! Orchestra em que cantássemos “a União Europeia é injusta”. As pessoas têm que pensar por si e é isso que conseguem a arte a música. Abrir as mentes, os olhos e os ouvidos, para que consigamos perceber o que se passa realmente à nossa volta.

Quando começou a tocar, fê-lo inspirado pela liberdade e riqueza do jazz e pela energia e fervor activista do punk. Algumas décadas depois, esses dois pólos continuam a ser os faróis da sua postura criativa?
Está tudo relacionado com o aspecto “do it yourself”. Se queres fazer qualquer coisa, fá-la tu mesmo. Fá-la com as pessoas que respeitas, que amas e em quem confias e podes conseguir mudanças a uma escala mais pequena. Ao abrir novas perspectivas às pessoas à tua volta, talvez consigas mudar a música, talvez consigas mudar a forma como as pessoas olham para o planeta em que vivemos. Mas tens que fazê-lo por ti próprio, porque ninguém o vai fazer por ti. Se te tornares muito famoso e tiveres editoras a oferecer-te dinheiro para isto e para aquilo, intrometem-se elementos que não são saudáveis para a criatividade. Este é um problema complexo, porque eu gosto de viver da minha música e não quero fazer compromissos. Se os fizer, acabou-se, mas não é fácil hoje em dia, com o estado em que está a economia, com cortes severos em países como a Holanda, que, há alguns anos, de um dia para o outro, sofreu um corte de 30 por cento no orçamento para as artes, e muitos clubes, companhias de teatro e de dança tiveram que fechar. De um dia para o outro. Vemos os mesmos sinais negativos por todo o lado, com excepção da Noruega, que tem o dinheiro do petróleo. O dinheiro atribuído à Cultura é tão pouco que chega a ser ridículo. Mas sobrevivemos e, se olharmos para a cena neste momento, diria que, musicalmente, nunca esteve tão interessante. Nunca houve tanta gente a tocar este tipo de música e nunca houve uma audiência tão grande. E é assim em todo o lado. Na China, na Argentina, no Brasil.

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Ao longo da sua carreira tem-se movimentado habilmente entre os universos do jazz, da música improvisada, do rock, da electrónica, do noise. Existem diferenças fundamentais entre tocar com Ken Vandermark ou Joe McPhee, com Thruston Moore ou os Cato Salsa Experience?
O mais importante é saberes quem és e quais as ferramentas que tens ao teu dispor. É essa a chave para fazer música. É uma arte de comunicação e, na improvisação, tens que ter as ferramentas certas para comunicar. Se és um baterista de metal e se gostas muito de música improvisada, mas tudo o que sabes fazer são padrões de pedal duplo, estás limitado. Tens que expandir o teu universo, tem que saltar de cabeça para o universo. Sinto-me muito feliz neste momento, porque destruir barreiras era a minha intenção desde que comecei. É importante que os diferentes géneros continuem a existir, porque fazem parte de um legado, de uma tradição, e a tradição é extremamente importante. Temos que saber lidar com ela e podemos fazê-lo de diversas formas. Adoro jazz, adoro música barroca, adoro o canto dhrupad do norte da Índia. São todas tradições muito fortes, mas é provável que o canto dhrupad não resulte muito bem se lhe juntarmos um músico de electrónica e um cantor jazz. Há música que precisa de se conter nas suas fronteiras. Temos que ser conscientes na nossa abordagem. Faz parte da nossa pesquisa enquanto humanos e enquanto artistas.

Mantém a Fire! Orchestra e os The Thing, as suas bandas principais neste momento. Mas tem também os Swedish Azz e os Nu Ensemble, mantém sessões regulares com os músicos mais diversos, compõe para dança e teatro. Alguma vez chegará o dia em que sentirá que se está a envolver em demasiados projectos ao mesmo tempo? Ou só mergulhado em toda esta actividade faz a música sentido para si?
É verdade que me envolvo em demasiados projectos. Foi por isso que cortámos nas digressões dos Swedish Azz, por exemplo. Fire e The Thing são os únicos grupos com que faço digressões consistentes neste momento. Além disso, tenho uma família que amo acima de tudo. Tenho três filhas, mas a mais nova tem apenas um ano e não quero perder mais do que já perco. É um equilíbrio muito complicado. Sou extremamente afortunado e privilegiado por ter tanto trabalho. Recuso concertos todos os dias, o que é um absurdo quando pensamos no tipo de música experimental que faço e no difícil que é, nessa área, arranjar concertos. Sinto-me triste por recusá-los, porque preciso mesmo de novos encontros, tanto quanto preciso de The Thing e dos Fire, mas como é impossível ter tempo para tudo, escolho aquilo que mais me desafia e que me pode oferecer novas perspectivas. Não quero sentir-me seguro. Preciso de me meter em coisas onde não me sinta confortável, caso contrário, não seria excitante nem honesto. Se estivesse nisto só pelo dinheiro faria música completamente diferente. Ou melhor, não faria música de todo. A ligação do que faço com uma ideia ideológico e política é muito forte. E eu sou o tipo mais afortunado no mundo por poder fazer a música e a arte em que acredito sem compromissos, e sobreviver economicamente ao fazê-la, é de loucos, mas funciona. Ao mesmo tempo, temos que ser humildes e respeitar o que nos rodeia. Vemos muita gente em dificuldades, económica e socialmente. Querem fazer a música em que acreditam, mas não conseguem encontrar a plataforma para o conseguir – e está a ficar cada vez pior. Eu estou, felizmente, numa boa posição. Trabalhei para a conseguir e tem sido uma vida de muitos sacrifícios e de relacionamentos destruídos, mas a verdade é que criar esta música tem valido todos os sacrifícios.

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