Marion, heroína da acção moral

O cinema dos Dardenne criou o seu “género”, com a sua coreografia e efeitos: eis Marion Cotillard, heroína da acção - moral.

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O (recente) fascínio dos irmãos Dardenne por estrelas pode ser explicado por uma (antiga) observação de alguém, feita a Jean-Pierre e a Luc, que sendo eles irmãos o seu cinema só se poderia interessar por figuras masculinas ou por petites filles, mas nunca por ele poderia passar o desejo cinematográfico por uma mulher.

A observação, de que os irmãos deram conta em Cannes quando o filme foi exibido no festival, ficou dentro deles, e em 2011, com Le Gamin au Vélo, quiseram inquietar esse destino que alguém lhes vaticinara. Convidaram para o seu universo Cécile de France. Agora é Marion Cotillard, um upgrade, porque é imagem cheia de maneirismos, carreira internacional com Óscar e tudo. Cotillard é uma rapariga que percorre o subúrbio de Liège em dois dias e uma noite, a pedir aos companheiros de empresa que votem pelo seu não despedimento, para isso tendo eles de abdicar de uma parte do salário. Nesse dilema que a empresa devolveu aos seus empregados – Marion não é despedida se os colegas prescindirem dos seus bónus, eis a chantagem - está uma aprendizagem moral que todos vão fazer, incluindo Marion: a solidariedade. E é assim que a personagem, depois de tanto ouvir “Põe-te no meu lugar!” por parte dos colegas que não têm condições de abdicar de parte do salário, há-de ela própria ser colocada no lugar deles e ter de decidir se vai ser solidária com um colega despedido ou aceitar a sua reintegração na empresa. Eis Marion, heroína da acção moral! O cinema dos Dardenne criou o seu “género”, com a sua coreografia e efeitos, e isso, agora nesta fase das vedetas, experimenta-se reparando-se demasiado nos twists ou no facto de o filme se apressar para chegar à meta de uma certa exemplaridade que aparece triunfante (“On s’est bien batus. Je suis heureuse”, diz Cotillard, que era deprimida, tinha tentado suicidar-se, e no final caminha orgulhosa por ter mudado a consciência dos outros e ter aprendido coisas). Acredita-se menos agora em tudo isso, não acreditamos o suficiente em Cotillard como proletária, apesar do gosto pela metamorfose física. Antes não havia alternativa para o espectador a não ser acreditar, como se daí dependesse a vida ou a morte: Émilie Dequenne, Rosetta (1999).

 

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