Mais que um prémio de restauro, a reconciliação entre as comunidades

100 anos após o genocídio, arménios e turcos voltam a encontrar-se mas agora como vencedores do prémio Europa Nostra. Mostram como é possível a reconciliação das comunidades através da cultura.

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A igreja de São Giragos sem cobertura, em Diyarbakir, na Turquia DR
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A igreja de São Giragos ainda em ruínas DR
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O restauro da igreja de São Giragos DR
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O interior da igreja de São Giragos restaurado DR
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Os trabalhos na igreja de São Giragos DR
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As ruínas da Igreja e Mosteiro Arménios em Nicósia, no Chipre DR
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A recuperação da Igreja e Mosteiro Arménios em Nicósia DR
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A recuperação da Igreja e Mosteiro Arménios em Nicósia DR
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O restauro dos frescos do Mosteiro de Kobair, na Arménia
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O restauro do Mosteiro de Kobair, na Arménia
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O restauro dos frescos do Mosteiro de Kobair, na Arménia

Arménios, turcos, curdos e cipriotas juntaram-se nos últimos anos para restaurar monumentos destruídos pelos conflitos entre as suas comunidades.

Foi essa capacidade de reconciliação, no mês em que passam 100 anos sobre o início do genocídio arménio, que o mais prestigiado prémio europeu a nível de conservação e restauro — o Europa Nostra — distinguiu na sua última edição. Este ano, entre os 28 vencedores do Europa Nostra estão a igreja arménia de São Giragos, na Turquia, a Igreja e Mosteiro Arménios no Chipre e o projecto Conservar a Herança Cultural da Arménia, prémios anunciados a 14 de Abril.

A igreja de São Giragos, construída em rocha vulcânica na cidade de Diyarbakir no século XVII, é o maior templo arménio do Médio Oriente. O projecto de conservação é visto como uma história de sucesso de cooperação local entre arménios, turcos e curdos. “Foi esta demonstração de apoio local que impressionou particularmente o júri. O esforço para restaurar a principal igreja dos arménios neste local, depois do exílio da sua população, é um excelente acto de reconciliação para a cidade e os seus cidadãos”, lê-se no site do prémio.

Parte da história da recuperação de São Giragos gira à volta de dois homens, Abdullah Demirbas e Osman Baydemir, os políticos curdos à frente da cidade de Diyarbakir (Curdistão turco), eles próprios representantes de uma minoria na Turquia com vários problemas com as autoridade centrais. “Os nossos avós, incitados por outros, cometeram grandes erros, mas nós, os seus netos, não os vamos repetir”, disse Abdullah Demirbas, presidente de um dos distritos da cidade, citado pela revista norte-americana New Yorker, num artigo de Janeiro sobre a recontrução desta igreja situada no centro histórico de Diyarbakir, assinado por um descendente de arménios daquela comunidade.

Os dois políticos batem-se pelo reconhecimento do genocídio, palavra que até recentemente a Turquia proibia, e pelo papel conivente dos próprios curdos no processo de “turquificação” conduzido pelo império otomano, já em declínio no início do século XX. Na mesma reportagem da New Yorker, Osman Baydemir, presidente da câmara de Diyarbakir, reconheceu os arménios como a verdadeira população de Diyarbakir: “Vocês não são nossos convidados. Nós somos vossos convidados.”

Durante o genocídio arménio, que em toda a Turquia terá levado à morte de mais de 1,2 milhões de arménios, a igreja de São Giragos foi um dos palcos da tragédia, como um dos símbolos da história cultural e religiosa da comunidade arménia. A torre da igreja, onde se via um relógio neogótico, foi derrubado nos acontecimentos centrados no dia 28 de Maio de 1915, sob o pretexto de que era maior do que os minaretes das mesquitas da cidade.

A igreja de São Giragos reabriu em Outubro de 2011, tendo milhares de arménios viajado de todo o mundo para participarem no evento. “O envolvimento da própria comunidade arménia no restauro do monumento contribuiu enormemente para a melhoria da paz e da integração social entre as comunidades, atraindo vários visitantes arménios de todo o mundo”, diz a Europa Nostra.

Tal como na igreja de São Giragos, o prémio da Europa Nostra — uma organização que visa proteger a herança cultural da Europa em parceria com a União Europeia — também distinguiu na categoria de conservação a Igreja e Mosteiro Arménios, localizados em Nicósia (Chipre), a capital dividida entre as comunidades cipriota grega e cipriota turca.

A igreja do século XIV sofreu inúmeros estragos com os confrontos entre turcos e gregos em 1963, o ano em que curiosamente a Europa Nostra foi criada com a missão salvaguardar monumentos históricos e paisagens em deterioração.

A Igreja e Mosteiro Arménios está localizada na zona histórica da cidade. O monumento gótico é composto por três escolas arménias, uma mansão histórica onde vivia o prelado, claustros e outros espaços ao ar livre, tudo isto rodeado por um muro.

O projecto de restauro teve início em 2007, como parte integrante de um esforço mais alargado de construção de paz no Chipre, centrando-se na reabilitação da herança cultural mais rica da ilha. O projecto quis também, lê-se no site do prémio, “dar a cipriotas arménios, gregos e turcos a oportunidade de trabalharem em conjunto com especialistas internacionais de forma a preservar a herança comum”.

O júri destacou a alta qualidade técnica do restauro, mas viu-o principalmente como um exercício ainda mais complexo de reconstrução de uma comunidade: “O elemento arquitectónico é maravilhoso e precioso, mas também é a necessidade de restaurar e desenvolver a coesão social da comunidade na cidade.”

A Europa Nostra concedeu ainda um prémio especial a um projecto dedicado a conservar a herança cultural da Arménia, dando formação a estudantes na área da conservação e restauro. Cerca de 200 estudantes arménios, sírios e iranianos, entre arquitectos, engenheiros, arqueólogos, conservadores ou artesãos, receberam entre 2012 e 2014 formação no Politécnico de Milão com a colaboração da Universidade de Arquitectura e Construção da Arménia. Com uma dimensão prática, o projecto contribuiu, por exemplo, para o restauro dos frescos do Mosteiro de Kobair, na Arménia.

O jurí ficou impressionado com: “A parceria entre duas nações, não imediatamente vizinhas, mas que partilham a mesma filosofia em relação ao seu passado.”

Entre os restantes vencedores encontram-se ainda o Centro de Media, Cultura, Moda e Artesanato em Amesterdão, o pitoresco jardim do Museu Van Buuren na Bélgica, a Associação de Amigos da Casa de Doorn, em Amstrerdão, o Programa para Proprietários de Edifícios Rurais na Estónia, a visita guiada online pelas maravilhas de São Marcos em Veneza, entre outros.

Dos 28 laureados somente sete receberão o grande prémio monetário no valor de 10.000 euros. Estes serão conhecidos numa cerimónia a realizar no dia 11 de Junho em Oslo. Está ainda a decorrer uma votação pública, através do link vote.europanostra.org, que irá determinar um vencedor do Prémio Escolha Pública, conduzido pela Europa Nostra.

Este ano Portugal não se encontra na corrida para este prestigiado prémio, mas já vários monumentos e projectos portugueses foram reconhecidos em anos anteriores, como os carrilhões do Convento de Mafra, o Liceu Passos Manuel, em Lisboa, ou o Chalet da Condessa d’Edla, em Sintra.

Editado por Isabel Salema

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