Mãe à beira de um ataque de nervos

Uma auspiciosa estreia australiana que escolhe como heroína uma mãe que é tudo menos coragem.

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Trailer O Senhor Babadook

Percebe-se, primeiro, porque é que o primeiro filme da australiana Jennifer Kent tem vindo a receber elogios de uma crítica que geralmente não liga muito aos filmes de terror; percebe-se, depois, porque é que a cineasta não quis que O Senhor Babadook fosse rotulado apenas como um filme de terror.

É verdade que há muitos fantasmas a ecoar nesta história de uma viúva que ainda não ultrapassou a morte do marido, do filho de seis anos que continua a ver monstros por todo o lado e do mal-estar que ambos atribuem a uma presença sobrenatural convocada por um livro assustador. Mas é igualmente verdade que o “motor” do filme é muito mais tangível e reconhecível do que um fantasma; é a fragilidade de Amelia (uma extraordinária Essie Davis, a evocar a Mia Farrow da Semente do Diabo de Polanski), a sua lenta descida para a loucura à medida que o beco sem saída da sua vida se torna num labirinto cada vez mais apertado e claustrofóbico. Se muitas vezes os filmes de terror usam como heroínas mães-coragem capazes de tudo para salvar os filhos, O Senhor Babadook vai na direcção oposta de escolher como centro uma mãe pelos cabelos com um filho que lhe dá cabo da cabeça sem ela perceber ou conseguir explicar porquê, que se sente incapaz de mudar as coisas e que questiona até as suas qualidades maternais.

Mesmo muito diferente, o filme de Jennifer Kent lembrou-nos de um outro objecto fora do baralho – Temos de Falar Sobre Kevin (2010), a incompreendida adaptação cinematográfica do romance de Lionel Shriver por Lynne Ramsay, com o qual partilha uma visão feminina da maternidade que escolhe o desconforto e a dúvida em vez do lugar-comum. O Senhor Babadook é, durante a maioria da sua duração, um óptimo exercício de suspense fantasmagórico à volta de uma mulher confrontada com os seus medos. Pena que, em direcção ao final, Jennifer Kent tenha optado por assumir a dimensão de “filme de género” que preferia que não lhe atribuíssem, e, no processo, desfaça alguma da ambiguidade que é o maior trunfo do seu filme. Mas fossem todos os “filmes de género” tão inteligentes, atentos e sim, humanos, como este e o cinema de terror não seria olhado de soslaio por tanta gente.

 

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