Melingo estreia em Portugal Linyera, “uma homenagem aos vagabundos e idealistas”

O argentino Melingo está de volta com um disco marcado pela utopia e pela liberdade. Este domingo no Porto, na Casa da Música, e segunda-feira em Lisboa, no CCB.

Foto
Melingo Pedro Cunha/Arquivo

Depois de tangos malditos e tentações ansiosas, Melingo vira-se agora para a liberdade utópica dos sonhadores e vagabundos. Linyera (leia-se lindjéra, como na Argentina) é o título do seu novo disco, recém-lançado, e também do espectáculo que Portugal verá em estreia absoluta, este domingo na Casa da Música e segunda-feira no CCB (às 21h).

Nascido em 1957, na Argentina, Daniel Melingo tem sido aclamado pelo mundo como uma das mais estimulantes vozes do tango em metamorfose, lembrando ora Paolo Conte ora Tom Waits na forma teatral como aborda as palavras. Em Portugal estreou-se em Maio de 2009 com Maldito Tango, em Lisboa (São Jorge) e em Espinho, esgotando depois, Março de 2011, o grande auditório Gulbenkian com Corazón & Hueso. Pelo meio, gravou e actuou com Rodrigo Leão no tema No sè nada, do álbum A Mãe. “Em Rodrigo Leão”, diz Melingo ao PÚBLICO na véspera dos espectáculos, “encontrei não só um grande músico, mas um tipo fantástico, muito generoso.”

Num dos doze temas do novo disco, Melingo canta (palavras e música sua): “Quero que a noite dure uma vida/ quero que a minha vida dure uma canção.” É uma das imagens que perseguem o “linyera” que nos surge, quase em tom de vaudeville, logo no início: “Essa abertura é a apresentação do personagem que vai narrar o que vem a seguir. ‘La canción de Linyera’ é uma homenagem aos vagabundos, aos sonhadores, aos idealistas. Aos que não têm norte e gastam o pouco que ganham, aos que buscam a liberdade.”

Curiosamente, as palavras foi buscá-las a Ivo Pelay (1893-1959), poeta argentino que ele canta entre vários outros. “Há três partes no meu trabalho. Primeiro, a busca e a composição as canções. Neste álbum, iniciado em Março do ano passado, comecei com mais de trinta canções já feitas. Escolhê-las demorou seis meses e essa é a segunda parte do trabalho, que me agrada muito porque gosto de trabalhar no ‘laboratório’ do estúdio, a testar os erros, a alquimia das canções. A intuição musical nasce do ordenamento de algo improvisado que é o início da composição até à orquestração que molda o disco. Foi assim, por uma questão basicamente musical, que cheguei às doze canções finais, porque elas mesmas se impuseram a partir das melodias que compõem a sua trama.”

Depois há a subida aos palcos, a encenação, a intensidade do drama e do burlesco: “A performance é a terceira parte do processo, a mais teatral. Mas há uma quarta parte, a que mais me agrada, que é ver como termina cada música no ouvido de quem a escuta. É a parte mais satisfatória, porque as canções passam a ser de quem as ouve.”

Tango, rock e ópera
No meio do disco ouve-se, majestosa, a célebre canção de Violeta Parra Volver a los 17: “Essa letra, que fala sobre o efeito que causa fisicamente o amor, está escrita de uma maneira tão magistral e genial que se tornou obrigatória aqui.” Melingo canta-a entre Federico García Lorca e AtahualpaYupanqui: “É uma zona ‘espessa’ do disco. Mas não tem um sentido racional. Esse, utilizo-o nas técnicas para dar forma final a tudo. Aqui prevalece o meu gosto musical, utilizado talvez de uma forma literária.”

No palco, Linyera terá outras companhias. “Este disco dura aproximadamente uma hora. Os restantes 45 minutos são repartidos por canções emblemáticas minhas, dos discos anteriores.” Com músicos que participaram na gravação do disco, o espectáculo estreia-se em Portugal e estará um mês pela Europa: Alemanha, Inglaterra, França, Bélgica e Grécia. Só depois se apresentará em Buenos Aires, em Junho próximo.

Tango, rock e música de ópera são as suas influências familiares. "Da parte da minha mãe, são letristas e bailarinos de tango, da parte do meu pai os meus avós eram músicos de ópera. E os meus primos mais novos ensinaram-me o rock. Então tenho essas três grandes fontes de inspiração.” Teatro? “O Teatro não o estudei. Mas dei rédea solta à performance teatral. Depende da intuição do momento, do improviso. No último ano participei em quatro filmes, como actor, o que é uma novidade para mim e também é bom para a minha música. São ferramentas que ajudam a comunicar o pensamento.”

Sugerir correcção
Comentar